quinta-feira, 19 de maio de 2016

VITÓRIA-RÉGIA

Humberto de Campos (1886-1934)
Foto: Marcus Vinicius Lameiras


No teu corpo de flor trepida e estua 
Todo o forte esplendor, toda a grandeza 
            Desta terra, que é tua. 

            Sempre que te vejo, creio 
            Que esta gloriosa Natureza 
Da Amazônia, a enciumar terras e espaços, 
            Te acalentou em seus braços, 
            Deu-te o leite do seu seio. 

            No mundo heleno, 
Em um mito qualquer, tão doce quão perfeito 
Muitas vezes se viu a Terra pondo o peito 
            À boca de um deus pequeno. 

            Assim, também, num símbolo plutônico, 
               Eu, numa lenda, te poria 
               Sobre o seio amazônico, 
            Para compor outra Mitologia. 

            Copiaste a esta terra 
O que ela, quando expande 
Sua alma e vigor, encerra 
            De belo de grande.

* 
*  *

Exemplo: 
                        Na pompa egrégia 
Do teu porte alto e risonho, 
Tu és a Vitória-régia 
Do lago azul do meu Sonho!

A água é muda e quieta... 
Vida nenhuma seu dorso anima: 
Nenhuma borboleta, 
Nem uma asa, por cima... 
                                               Apenas, 
Enquanto o lago, num mistério, sonha, 
Voga, cheia de sol, pelas águas serenas, 
A ninfeácea tristonha...

É somente uma folha. 
É, apenas, a lembrar uma selva redonda, 
Um círculo que ninguém olha, 
Uma folha sem flor que à luz lhe corresponda. 

Chega, porém, o dia 
            Fatal; 
Chega o momento em que a monotonia 
Foge e em que, forte e mortal, 
A Natureza vem, e lenta, 
Babuja a equórea planície 
A espantar muda e mágoa: 
E logo uma flor rebenta 
À superfície 
D’água!

Rebenta... Porém, rebenta 
Rugando do lago a face, 
Dando à Solidão, 
Com a mesma força violenta 
Do amor sincero que nasce 
Do fundo de um coração!

E logo por todo lago 
Há um forte estremecimento; 
No mais amoroso afago, 
            – A asa do Vento 
            Macio, 
Leva a branda água encrespada, 
Num sonoro arrepio, 
Às canaranas frágeis da beirada...

E a flor emerge, alva e nua, 
No seu esplendor estranho, 
Sem que haja outra que possua 
Seu perfume e seu tamanho!

E domina, em roda, 
                                   Tudo. 
A imperar sobre a água toda, 
Aberto o seio alvo e mudo 
À carícia materna do luar, 
Sabendo que, em si, resume 
A pátria onde floresce, enche com o seu perfume 
As margens, a água, a terra, a lua, as folhas, o ar...

* 
*  *

Já vês que, na pompa egrégia 
Do teu porte alto e risonho, 
Tu é a Vitória-régia 
Do lago azul do meu Sonho! 


CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.285-288

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