segunda-feira, 18 de julho de 2016

O CASULO VAZIO

Eduardo Alves da Costa


Sentei-me no despenhadeiro e ali fiquei,
deixando vagar a Imaginação.
A manhã era tão fria
que a própria Natureza recolhera
sua costumeira alegria. Nenhum pássaro
ou vento, nenhum ramo se punha
em movimento. E assim, aplacados
meus instintos, deixei que indistintos
vultos emergidos da bruma tomassem
minha mão e me conduzissem ao recesso
no qual, solitário, pulsa o coração.

Inclinei-me sobre ele, apurei
os ouvidos, e, dentre o espesso rumor
que a vida faz ecoar nas veias,
chegaram-me alguns aulidos
distantes, quase irreais.
Mas, ainda assim, por tê-lo há tanto
tempo aprisionado em mim,
pude entender o que dizia.
“Aonde vais?” – perguntou,
num tom angustiado de quem mais quer
indagar do que saber.
“Vou para a morte” – respondi, com ironia.
Calou-se, por um instante, e eu,
assustado, pensei que de fato morria.
“Mas é para a vida que nasceste” – disse ele,
pulsando mais forte. “Não permitas
que a tristeza, o desânimo, a descrença,
te desviem do caminho.
Vive com alegria, assume teu destino
como um guerreiro soberano.
Que a Beleza seja teu guia e a Esperança
a tua Luz, que acendi quando
eras uma criança. Não ouças o que diz
a gente que amaldiçoa a vida.
Sua alma é mesquinha
e dela só nos chegam medos.
Abandona esses frutos azedos e busca
a essência do teu Ser.
A vida não passa de ilusão, sim, mas foi essa
a missão que te deu o Universo.
Quanto à morte, não te preocupes
em buscá-la, pois anda sempre contigo,
desde que te viu nascer. Ela te arrebatará
um dia mas o que fizeres
pela vida há de permanecer.”

Levantei-me então e segui meu caminho,
abençoando esse vulto esguio
que me serve de companhia. E quando
ele ri, com descarnadas gengivas,
eu sei que exerce o seu papel, a fim
de me tornar ainda mais desperto
e espanar de mim os meus pesares.
Pois se eu estou no centro da ampulheta
e a vida é ilusão, antes que o chão se abra
sob mim quero brilhar intensamente
e consumir o último vestígio do meu Ser.

Já que a morte me tem suspenso
sobre o abismo, por um fio, que leve
de mim apenas o casulo vazio.

COSTA, Eduardo Alves da. No caminho com Maiakóvski: poesia reunida. São Paulo: Geração Editorial, 2003. p.270-271


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