terça-feira, 23 de junho de 2009

ANÚNCIO DA ROSA

Carlos Drummond de Andrade


Imenso trabalho nos custa a flor.
Por menos de oito centavos vendê-la? Nunca.
Primavera não há mais doce, rosa tão meiga
onde abrirá? Não, cavalheiros, sede permeáveis.

Uma só pétala resume auroras e pontilhismos,
sugere estâncias, diz que te amam, beijai a rosa,
ela é sete flores, qual mais fragrante, todas exóticas,
todas históricas, todas catárticas, todas patéticas.

                                               Vede o caule,
                                               traço indeciso.

Autor da rosa, n'ao me revelo, sou eu, quem sou?
Deus me ajudara, mas ele é neutro, e mesmo duvido
que em outro mundo alguém se curve, filtre a paisagem,
pense uma rosa na pura ausência, no amplo vazio.

                                               Vinde, vinde,
                                               olhai o cálice.

Por preço tão vil mas peças, como direi, aurilavrada,
não, é cruel existir em tempo assim filaucioso.
Injusto padecer exílio, pequenas cólicas cotidianas,
oferecer-vos alta mercancia estelar e sofrer vossa irrisão.

                                               Rosa na roda,
                                               rosa na máquina,
                                               apenas rósea.

Selarei, venda murcha, meu comércio incompreendido,
pois jamais virão pedir-me, eu sei, o que de melhor se compôs na noite,
e não há oito contos. Já não vejo amadores de rosa.
Ó fim do parnasiano, começo da era difícil, a burguesia apodrece.

                                               Aproveitem. A última
                                               rosa desfolha-se.


ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1984.

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