Isaac Melo
Na crônica, uma coisa é o acontecer, outra coisa é escrever aquilo que aconteceu. A narrativa vai ganhando cores próprias, conforme o olhar e a perspicácia com que cada um narra o que viu ou ouviu. Fato ou fantasia. Cronistas como Cony e Rubem Braga estão entre aqueles que considero geniais nesse gênero.
Ao voltar meu faro literário para o Acre, como alguém que mais ama nossas letras do que a compreende, meus pensamentos se voltam incontestes para Florentina Esteves, o vulto literário feminino, a meu ver, mais expressivo do Acre. O Empate é um primor literário. Suas crônicas (Enredos da Memória) são um capítulo a parte nas letras acreanas. Outra figura imponente é Jorge Kalume. Não é a quantidade que denota a qualidade demonstra seu Crônicas do Acre Antigo. E nessa história há que figurar Leila Jalul, em Suindara, com suas “doces lembranças que ninguém pode esquecer de lembrar”.
Suindara é bem acreano como a autora. Não é rebuscado de eruditismo. O texto flui como as águas de igarapé que buscam o rio, ora calmas, ora agitadas. Mas, no fundo, o que vemos é uma linguagem que segue a vida, coloquial, vital. E o texto sai como uma conversa entre amigos. E o que poderia parecer prosaico, revela-se como uma notável capacidade literária.
Difícil ficar impassível às suas crônicas. Assim em Barrancas e Lembranças vemos a história do jovem Pelé, que amava sua mãe e sua irmã e era apaixonado por folhas. A morte da mãe e as circunstâncias da vida o levaram a Manaus. Em Manaus, fez-se assassino. Todavia, há o olhar humano da cronista, sem fazer juízo de valor: “A lembrança e o carinho por ele não afundaram no mergulho do rio, nem diante da foto que vi na folha do jornal. Tirante os olhos, era a de um homicida cruel, que bem poderia ter sido um botânico”.
Em Chiquinha Coralina Moreira a autora, com muita competência e propriedade, traça um paralelo entre a poetisa goiana Cora Coralina e Dona Chiquinha Moreira, uma benzendeira acreana. A primeira, “de versos puros, em feitio de oração; a segunda, de orações puras, em feitio de poesia”. E arrematava: “Cora nos legou a riqueza de seus poemas; Chiquinha, um rastro de luz. Juntas, a beleza do ser simples e a importância de um lenitivo”. Nessa crônica, percebe-se a argúcia do pensamento de Jalul, que extrapola os limites do regionalismo e se abre numa perspectiva universal.
A crítica sutil, embora mordaz, aparece em diversos momentos como em Menino Bonito, que deixa entrever como o Estado (Ditadura) se utiliza de certos recursos para exercer seu poder e subjugar os “fracos”. Assim, o menino que era “bonito, forte e burro, ingredientes necessários para obedecer” alistou-se na Base Aérea de Belém. Lá foi ensinado a matar: “ora, se era possível matar a si próprio, por que não a outro? E a outro matou”. E o jovem dócil e amoroso metamorfoseia-se num ser estúpido e brutalizado. Desse modo, registra a pena da cronista: “Menino gordo, burro e adestrado, saiu do tempo e dos templos da redentora outro menino: mais obeso, mais burro, mais alienado”. Embora no fundo daquele ser embrutescido ainda subsistisse um filete de ternura.
Algumas crônicas tratam de questõe sérias, com toda a seriedade que pode assumir o riso. Sim, pois em muitos dos textos o humor é mais para corroborar seu pensamento do que para deleite literário. Embora o contrário também seja válido. Entre os inúmeros exemplos, as crônicas: Minhas Férias e A Francesinha.
Suindara, a nossa rasga-mortalha, ave tão temida pelos acreanos, por se acreditar que seu canto prenuncia agouros. Mas desde há muito a coruja é tida como o símbolo da filosofia, da sabedoria, pela sua notável capacidade de ter uma visão de 360 graus. Aí está porque Leila Jalul a escolheu para título de sua obra. Suas crônicas são um canto, a encantar aqueles que a ouvem, numa notável capacidade de ver e ir além daquilo a que estamos comumente fadados a enxergar e a ir.
Nas páginas de Suindara estão excertos da memória acreana, de um passado não muito distante, e que, de todo, ainda não passou. São passagens particulares da autora e “passagens de outros entes que sequer souberam que passaram”. Vivi vivendo e escrevo o que vivi, é a singularidade da cronista. Um Estado que têm escritores de excepcionais qualidades, pode regozijar-se com uma cronista e poetisa que está à sua altura, como Leila Jalul, a engrandecer nossas letras.
Fico feliz em saber q estou certo a seu respeito! Tarauacá e todos acrianos precisam de pessoas assim, isso mesmo pessos q nunca esquece de suas raizes, ajuda a difundir o que ha de bom na terra de Galvez, de Accioly, zé, Chico e de Isaac... com uma alma filosófica e pés descalço vai levando a vida da melhor forma possível, dando as mãos aos necessitados e conteúdo pra quem deseja sair da ignorância q o capitalismo financia. Abraços!!!
ResponderExcluirIsaac,conheci seu blog hoje e fiquei encantada com o trabalho que vc faz no sentido de divulgar, fortalecer e valorizar a cultura, as raízes de nossa terra e de seu povo.
ResponderExcluirA Leila é fantástica tanto na oratória como na escrita, sabe tantos 'causos' de nossa gente, um super arquivo de nossas história. Além de escrever bem, tem um humor contagiante e inteligente. Parabêns! Saudades da Leila...
Eu tenho um blog chamado mandalas da floresta.
Abraços, Simone
NOBRE ISAAC MELO,
ResponderExcluirSUINDARA NASCEU DESPRETENCIOSA. DE TODO DESPRETENCIOSA, MAS, APESAR DE SEUS TRÊS ANOS DE EXISTÊNCIA, SÓ TEM TRAZIDO ALEGRIAS E GRATAS SURPRESAS.
SOMENTE ONTEM, CIRCULANDO PELO GOOGLE, É QUE DESCOBRI ESTA POSTAGEM DE SUA AUTORIA. SUA BENEVOLÊNCIA DEIXOU-ME COMOVIDA E FELIZ AO MESMO TEMPO. NIVELAR-ME À FLORENTINA ESTEVES, SEM DÚVIDA, FOI UM TANTO DEMAIS DE SUA PARTE. FLORENTINA É MINHA PRIMEIRA LEITORA E CRÍTICA. É PARA ELA QUE MANDO OS PRIMEIROS ESBOÇOS QUANDO FAÇO A MONTAGEM DE LIVROS. É MINHA MESTRA, POIS.
AINDA NO MUNDO DAS CRÔNICAS, SEMPRE SOBRE MINHA VIDA NO ACRE E SOBRE PESSOAS DO ACRE, LANCEI O - DAS COBRAS, MEU VENENO. GOSTARIA DE SABER SE VOCÊ QUER RECEBER A VERSÃO ONLINE ATÉ QUE EU POSSA ENVIAR UM EXEMPLAR PARA SUA LEITURA E CRÍTICA. SINTO FALTA DA CRÍTICA. ACENE E ENVIAREI IMEDIATAMENTE, CORRETO?
AGORA, EM FASE DE REVISÃO, ESTOU COM OUTRO TÍTULO DE CONTOS. AINDA NÃO DEI NOME, MAS, POSSIVELMENTE, SERÁ BATIZADO COMO GIROS E GIRAS. TÃO LOGO PUBLIQUE, DE CERTEZA, UM EXEMPLAR SERÁ SEU. SE DISSER QUE SIM, POR E-MAIL, MANDAREI ALGUNS PARA QUE ANTEVEJA SE LEVO JEITO PARA O GÊNERO. QUERO TREINAR BASTANTE ATÉ ARRISCAR UM ROMANCE, ENTENDE?
FINALMENTE, CARO ISAAC, RESTA-ME AGRADECER AS PALAVRAS CARINHOSAS DEDICADAS À CORUJINHA QUE ME LANÇOU NO ROL DOS PEQUENOS CRONISTAS.
GRANDE ABRAÇO.
Leila Jalul - Bahia - Brasil
leilajalul@gmail.com
Encontrei este site por acaso, quando fazia uma pesquisa no Google. E como fiquei contente por ver aqui elogios dirigidos à minha amiga Leila Jalul. Leila é sim uma cronista maravilhosa.
ResponderExcluirObrigada por falar tão bem de Leila. Ela bem o merece.
Um abraço