Profª. Inês Lacerda Araújo*
Na obra de Richard Rorty A Filosofia como Política Cultural (já traduzida, 2009), há um capítulo com reflexões sobre o conceito de justiça. Rorty acha que justiça é a lealdade alargada, e pergunta: a quem ser leal? Em geral somos leais aos mais próximos, ao que atinge nossa família, nossos amigos, vizinhos; a lealdade decresce com o alargamento desse círculo, se um massacre acontece em um país africano, ou no Afeganistão, não nos atinge de perto.
Mas a justiça não é para todos?
Quando se perde postos de trabalho na indústria automobilística norte-americana, ganham os países periféricos cuja mão de obra é mais barata? A liberdade política deve prevalecer, ou a justiça econômica igualitária? Se houver uma catástrofe e os alimentos escasseiam, o que se conseguir vai para os mais próximos (lealdade) ou devem ser distribuídos (justiça)?
Esses casos servem para Rorty refletir sobre se a justiça e a lealdade, afinal, não viriam juntas, e ampliar a lealdade seria, então, prover a sociedade com uma justiça mais efetiva. Ele não segue a tradição kantiana de conflito entre razão e sentimento, em que prevalece a primeira que é universal e obrigatória, igual para todos. Rorty acha que a moralidade nasce da lealdade ao grupo, e que dilemas morais não resultam de conflito entre razão e sentimento, mas de construções de si alternativas, descrições de si, diferentes modos de dar sentido à vida em diferentes grupos sociais. Não há um centro permanente do eu ou da história, mas pluralidade de modos de dar conta de problemas e dilemas. Isso é mais leve e fácil quando se trata dos que nos são próximos, e mais difícil e pesado quando os grupos são maiores, outras culturas e povos.
Aos poucos, costumes cederam lugar ao julgamento por leis, questões de justiça deveriam ser resolvidas, pensa Rorty, não por regras transcendentais e universais, mas pelas circunstâncias envolvidas em cada caso.
A obrigação moral não é indiscutível e nem há uma resolução que sirva para todos os casos, compulsória. Justiça requer razoabilidade. Atender aos interesses de todos, resumidos nos direitos fundamentais que vigoram em sociedades modernas ocidentais, essa base histórica pode servir de parâmetro? Isso é justo?
Tratar casos similares de modo similar esbarra em crenças e culturas que tratam semelhantes de modo desigual (mulheres, negros, homossexuais, os “infiéis” nas culturas islâmicas, por exemplo). O consenso que ultrapassa fronteiras é próprio da cultura liberal ocidental dos últimos duzentos anos.
Na França proibiu-se a vestimenta muçulmana para mulheres, sem consenso até mesmo na Europa. É perigoso considerar que uma cultura é superior a outra (colonialismo, nazismo, etc.), mesmo porque não se trata de casos nos quais há uma verdade a ser aceita, não há um consenso acima da história para julgar quais são os procedimentos corretos.
Para Rawls, e Rorty concorda com ele, os princípios brotam de práticas que comunidades criaram e sobre as quais há acordo. É sempre preferível buscar o acordo e o consenso, pois eles podem evitar a ameaça e imposição pela força. Deve ser possível justificar demandas de acordo com princípios razoavelmente aceitos por uma comunidade, com os quais outras comunidades podem concordar.
E Rorty vai além, é possível construir novas identidades morais, alargar a lealdade com um grupo formado por grupos menores. Lealdade e justiça se combinam, argumentos racionais e o compartilharmento de valores e ideais dos outros, próximos ou distantes, isso pode levar a concluir que o outro tem suas razões e almeja objetivos parecidos, que ele é confiável. Razão e sentimento são complementares e não dicotômicos. Supor que os outros são razoáveis, significa que podemos compartilhar também de seus desejos e crenças. Se não há meios de entender ou compartilhar tais desejos e crenças, então é provável que a força e a violência entrem em cena.
Mas exigir que o outro seja razoável em questões em que nós somos razoáveis, é apelar excessivamente para um critério em que a autoridade é a Razão, leia-se razão ocidental. Tolerância, respeito aos direitos da mulher, dos homossexuais, seria tanto mais valioso quanto ficasse claro que são da cultura ocidental moderna. Ótimo se outras culturas forem abertas, mas melhor ainda é ser etnocêntrico, isto é, levar em conta a diversidade cultural e adotar práticas liberais, as únicas que melhoram as relações entre povos e culturas.
Rorty abomina a noção de normas morais obrigatórias.
Um exemplo: é possível e razoável tolerar mulheres quase nuas e/ou inteiramente cobertas? Em uma mesma cultura, em diferentes culturas?
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Já estava alguns dias sem acessar seu blog mas percebo q cada dia q passa temos textos mais interessante p/ uma boa leitura, bem diferente do q está sendo postado por um certo blogueiro “fantasma” (blog do Aquiles) de Tarauacá. Parabéns Isac!!!
ResponderExcluirOla amigo,gostaria de convidalo a participar do nosso blog.veja:
ResponderExcluirhttp://acrelandia24horas.blogspot.com
espero possamos fazer parcerias.
obrigado