quinta-feira, 29 de setembro de 2011

OS VINHEDOS DE FREDERICO II E O QUARTO DE VAN GOGH

Profª. Inês Lacerda Araújo
Filosofia de todo dia


Entre as mais vívidas impressões de um breve percurso recém feito a alguns países europeus, há duas que são contrastantes e marcantes. Ambas dão a pensar.
Frederico II, rei da Prússia (1717-1786) construiu um castelo para lazer onde passava muito de seu tempo, em Potsdam, arredores de Berlim. Entre jardins, estátuas de filósofos e de personagens mitológicos, o rei poliglota, que não se recusava a participar de batalhas e conquistou vastos territórios, ambicionava ser filósofo de estilo platônico, tendo por modelo Marco Aurélio. Foi amigo de Voltaire, a quem hospedou várias vezes e com o qual se correspondia. Flautista, amigo de grandes compositores, não casou, não teve descendentes, há rumores de que seria homossexual. Aberto, brilhante, tolerante, pregou a liberdade religiosa em tempo de dogmatismo. Permitiu que Kant publicassse em Berlim escritos sobre religião, que foram proibidos no resto da Europa.

Ao castelo ele deu o sugestivo nome de Sans Souci (Sem Problemas, em francês). Em estilo rococó, se chega a ele por uma enorme escadaria entremeada de vinhedos, que lá estão até hoje, mas sem produzir. Um sistema de calefação abrigava e ainda abriga as vinhas do frio de 15 a 20 graus abaixo de zero. No verão cada porta era aberta e vinhas e figueiras davam seus frutos.
Na outra ponta, o quarto de Van Gogh, a simplicidade, a austeridade, apenas o estritamente necessário. O museu a ele dedicado em Amsterdam realizou um detalhado e perfeito trabalho de restauração, e ali está o quarto, como também as botas, as flores, as paisagens, a tentativa de aproximar-se de um suposto gosto comum para vender as obras e poder sobreviver, primeiro em Paris, depois retira-se para o sul da França. Voluntariamente se interna, mas a solidão é demasiada.

Em uma das mais emocionantes cartas a seu irmão, Van Gogh escreveu: "Na natureza está tudo pronto para ser pintado, mas é preciso saber interpretar". Quer dizer, o real nada é sem a interpretação do artista, de seu traço, da pincelada, da cor.

Sem ser filósofo, Van Gogh foi mais e melhor filósofo do que muitos prestigiados acadêmicos.

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É possível usar o fausto para promover a grandeza como fez Frederico II.
É possível usar o simples para chegar ao essencial, como fez Van Gogh.

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. É professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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