Profª. Inês Lacerda Araújo
Tramita no Congresso projeto do deputado Giovani Cherini (PDT - RS) que regulamenta a profissão do filósofo a fim de que este possa obter registro profissional no Ministério do Trabalho e Emprego, visando "retirar do mercado de trabalho as pessoas não-habilitadas", fazer do filósofo alguém com "vinculação à preservação e expansão do pensamento e das ideias em território nacional" (sic) é o que se lê na justificativa.
O projeto inclui itens para regulamantar a competência do filósofo, que deve:
"elaborar, supervisionar, orientar, coordenar, planejar, programar, implantar, controlar, dirigir, executar, analisar ou avaliar estudos, trabalhos, pesquisas, planos, programas e projetos atinentes à Filosofia, Pensamento e Ideias em geral e suas obras" e também ensinar filosofia, assessorar e prestar consultoria, participar de projetos que incluam lidar com o pensamento e ideias, e ainda:
"a formação de empresas ou entidades de prestação de serviço previstos nesta Lei, desde que as mesmas mantenham Filósofo como responsável técnico e não cometam atividades privativas de Filósofo a pessoas não habilitadas".
Pois bem, este projeto vem provocando inúmeras discussões pró e contra.
Se for ou não aprovado, pouco vai mudar na vida do professor de filosofia, em geral ele trabalha com carteira assinada e em geral é formado em cursos de filosofia.
Então, o que é polêmico?
Em primeiro lugar, ao definir o filósofo como detentor de uma habilidade específica além de complicado, resvala para o ridículo!
Se você não preservar e expandir pensamento e ideias em território nacional, você não é filósofo!?
Vejamos como você filósofo poderia prestar consultoria em uma empresa: ensinando ou pondo em prática a teoria do mundo da ideias platônica? Ou quem sabe definindo cidadão nos termos de Hegel? Ou discursando sobre o absurdo da vida sartreano? Ou afiando seus argumentos com base na lógica aristotélica? Sendo cético (e isso mataria qualquer projeto), ou dogmático?
Em segundo lugar, alguém com formação filosófica ao contribuir para qualquer projeto de interesse social, educacional ou político, o faz em função de uma especial capacidade de expor, de discutir, de argumentar, de fazer ver e entender aos outros como expandir noções e ideias. Basta certo nível de educação e formação ética, honestidade intelectual, e conteúdo. É preciso ter o que dizer, influenciar com uma abertura do pensamento para melhor compreensão de determinada situação ou problema.
Assim, quer se regulamente a profissão ou não, a qualidade e o tipo de participação do filósofo se dará ou não conforme a sociedade em geral solicite ou perceba que ideias podem contribuir para uma vida social mais justa, mais inteligente como diria Dewey, mais integradora.
Atingir tal nível é muito difícil e raro. Atenas na época dos filósofos legisladores, Roma com Marco Aurélio, a participação de filósofos na Revolução Gloriosa da Inglaterra (século 17), talvez alguma influência filosófica tenha havido na Inconfidência Mineira.
No mais, a filosofia entrou como ideologia em períodos de triste memória ao justificar jacobinos, fascistas, nazistas, comunistas.
Felizmente se fez a análise e crítica dessas vis noções, com papel de destaque para historiadores, políticos, jornalistas, sociólogos, e também alguns filósofos. E com a rejeição de todos que sofreram sob tais regimes de força.
PS: imaginem contratar Nietzsche como assessor do pensamento e das ideias, como avaliador e executor de projetos filosóficos (rs, rs, rs...)!!!
Ou: pensem qual foi, ou melhor, se houve influência e os resultados da filosofia positivista na virada da monarquia para a república no Brasil...
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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. É professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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