Porto de Manaus em funcionamento, década de 1940. Blog Catador de papeis |
Não obstante a grande movimentação nas
cidades de Manaus e Belém, relacionada à exportação da borracha, o Brasil, em
si, não fazia a menor ideia de que o fato vinha dando o maior destaque de
expansão nacional naquela área amazônica.
O que parecia preocupar as autoridades
brasileiras era a situação de dificuldade geográfica da Bolívia, conforme
verifica-se logo após a Independência, quando o Presidente da Província de Mato
Grosso convida os governadores
bolivianos para unirem ao Império do Brasil as províncias de Santa Cruz de La
Sierra, Chiquitos e Moxos.
Esses atos foram rigorosamente desautorizados
posteriormente pelo Governo Imperial. Parece nascer daí uma certa preocupação
em delimitar as terras brasileiras.
A Bolívia, na verdade, sempre conviveu com
problemas geofísicos, o que fundamenta o desejo dos bolivianos de desfrutarem a
vista de um horizonte que não seja pontilhado de picos montanhosos. Não apenas este
aspecto, mas a acessibilidade menos dificultosa para o fluxo e refluxo de seus
interesses. Sempre a política boliviana girou em torno de fatores geofísicos, o
que representava uma difícil e enorme distância para ambos os oceanos – pior
ainda para as bandas do Atlântico.
A própria literatura boliviana, através de F.
Diez Medina, sugere textualmente que “no coração da América Meridional situa-se
o Atlântico; amuralhado ao outro lado pela Grande Cordilheira que olha o Pacífico
distante; cerrada por bastiões montanhosos, aberta em rios dilatados e ares
estratégicos, Bolívia se levanta como um astro ignorado, jovem e remoto ao
mesmo tempo”. Outro historiador boliviano, reportando-se aos problemas sociais
e geográficos a que está fadado seu país, diz que a “fatalidade histórica confinou a Bolívia ao redor de 800.000km²”.
No cenário das discussões de tratados de
limites é notório a política vacilante, tanto do Brasil como da parte da
Bolívia. Esta então chegou até a dizer que não havia celebrado tratado algum
positivo entre Bolívia e o Brasil (“no
habiendose celebrado tratado alguno positivo entre Bolivia y El Império Del
Brasil, ni podiendo considerarse subsistente. Os anunciados tratados no existen
em lós archivos de su govierno, que Bolivia jamás les há dado el roconocimiento
solemne”).
De ressaltar que a situação interna da Bolívia
não permitia um bom termo de negociações, por motivo de estarem suas
autoridades ocupadas em manter a unidade da suposta Federação Peru-Bolívia,
enfrentando o conflito com o Chile.
Anos depois, vendo-se sujeito a enfrentar uma
guerra absurda com o Paraguai, o Brasil procura reatar e estreitar suas
relações com a Bolívia, temendo, que tal batalha viesse alastrar-se numa situação
bélica de solidariedade do idioma espanhol, de cultura e de amor-próprio
ferido.
A negociações, então, transcorreram em clima de compreensões recíprocas e
honrarias brasileiras aceitas pelos bolivianos,
encantados e deslumbrados com tanto mimo
diplomático, convertido em comendas e altas condecorações.
Em menos de três meses, os bolivianos,
persuadidos por uma fórmula de harmonização do que aparentava ser de interesses
comuns, concordaram assinar o tratado que recebeu o nome de Ayacucho, em 27 de
março de 1867.
Contudo, os dois países assinaram o Tratado
de Ayacucho sem o menor conhecimento da área referida no citado documento,
muito menos do valor daquelas terras e sem atinar que eram os brasileiros quem
estavam habitando e explorando aquela área, há dez anos. Sabiam que o documento
em pauta cuidava dos limites relacionados aos rios Javari e Madeira. Atribui-se
que tais providências eram básica e teoricamente imaginárias.
Enquanto isso a exploração do látex vai-se
intensificando, consolidando sua produção e desenvolvendo sua exportação, com
vistas ao breve alcance do famoso “auge da borracha”. Todo este empenho, à
proporção que aproximava-se o final do XIX, é revestido do estilo mundialmente
conhecido como “belle èpoque”.
A força motriz dessas providências, de
ressaltar, eram exclusivamente humana e genuinamente brasileira. Ali, até então
e por alguns anos vindouros jamais ouvira-se falar em ocupação boliviana, muito
menos em seringueiro boliviano.
No campo diplomático o jogo não fazia a menor
referência ao que ocorria no norte do Brasil. Talvez pela grande dimensão do
país, adicionada à influência do fato de D. João VI haver optado por transferir
a capital do Império para o sudeste, a maioria dos interesses destinados ao
progresso do Brasil também foi deslocada para aquela região, com extensão para
o sul. A partir daí nasce um dito popular de que, no Brasil, há sempre destaque
para a “industrialização” do sul e sudeste, em detrimento da “miserabilização”
do norte e nordeste.
Foto: Revista Brasil-Europa |
A História, porém, segundo os historiadores Arthur
Cesar Ferreira Reis e Leandro Tocantins, registra que três anos antes da
assinatura do Tratado de Ayacucho, chega à Amazônia o geógrafo britânico William
Chandless, com o objetivo de examinar a veracidade da união aquática dos rios Purus
e Madeira.
As explorações de Chandless negaram a
existência de liame aquático entre os dois rios, desfazendo, então, versões
inexatas, anteriormente difundidas. Em seguida o geógrafo inglês estendeu seus
cálculos científicos ao rio Juruá.
O título de desbravador do Juruá, à
semelhança de Manuel Urbano no Purus, é concedido a João da Cunha Correia que,
em 1854, isto é, 13 anos antes do Tratado de Ayacucho, percorreu terras do
Juruá e, depois de alcançar o Juruá-Mirim, subiu o rio Tarauacá, passando daí
ao Envira, chegando por terra ao Purus. Lembram os nossos historiadores de que
só não houve um registro histórico do encontro com Manuel Urbano porque, ao
atingir o Purus, seu desbravador, no momento, encontrava-se no alto rio. O geógrafo
William Chandless, então dez anos após, perfaz a mesma jornada de João da Cunha
Correia, calculando haver cumprido cerca de 980 milhas. O Acre, então, sugere demonstrar-se
totalmente abrasileirado!
Leia também:
* José Augusto de Castro e Costa é poeta e cronista acreano. Reside em Brasília e escreve o blog FELICIDACRE.
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