quarta-feira, 30 de maio de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – IV

José Augusto de Castro e Costa*
Porto de Manaus em funcionamento, década de 1940.
Blog Catador de papeis

Não obstante a grande movimentação nas cidades de Manaus e Belém, relacionada à exportação da borracha, o Brasil, em si, não fazia a menor ideia de que o fato vinha dando o maior destaque de expansão nacional naquela área amazônica.

O que parecia preocupar as autoridades brasileiras era a situação de dificuldade geográfica da Bolívia, conforme verifica-se logo após a Independência, quando o Presidente da Província de Mato Grosso convida  os governadores bolivianos para unirem ao Império do Brasil as províncias de Santa Cruz de La Sierra, Chiquitos e Moxos.

Esses atos foram rigorosamente desautorizados posteriormente pelo Governo Imperial. Parece nascer daí uma certa preocupação em delimitar as terras brasileiras.

A Bolívia, na verdade, sempre conviveu com problemas geofísicos, o que fundamenta o desejo dos bolivianos de desfrutarem a vista de um horizonte que não seja pontilhado de picos montanhosos. Não apenas este aspecto, mas a acessibilidade menos dificultosa para o fluxo e refluxo de seus interesses. Sempre a política boliviana girou em torno de fatores geofísicos, o que representava uma difícil e enorme distância para ambos os oceanos – pior ainda para as bandas do Atlântico.

A própria literatura boliviana, através de F. Diez Medina, sugere textualmente que “no coração da América Meridional situa-se o Atlântico; amuralhado ao outro lado pela Grande Cordilheira que olha o Pacífico distante; cerrada por bastiões montanhosos, aberta em rios dilatados e ares estratégicos, Bolívia se levanta como um astro ignorado, jovem e remoto ao mesmo tempo”. Outro historiador boliviano, reportando-se aos problemas sociais e geográficos a que está fadado seu país, diz que a “fatalidade histórica confinou a Bolívia ao redor de 800.000km²”.

No cenário das discussões de tratados de limites é notório a política vacilante, tanto do Brasil como da parte da Bolívia. Esta então chegou até a dizer que não havia celebrado tratado algum positivo entre Bolívia e o Brasil (“no habiendose celebrado tratado alguno positivo entre Bolivia y El Império Del Brasil, ni podiendo considerarse subsistente. Os anunciados tratados no existen em lós archivos de su govierno, que Bolivia jamás les há dado el roconocimiento solemne”).

De ressaltar que a situação interna da Bolívia não permitia um bom termo de negociações, por motivo de estarem suas autoridades ocupadas em manter a unidade da suposta Federação Peru-Bolívia, enfrentando o conflito com o Chile.

Anos depois, vendo-se sujeito a enfrentar uma guerra absurda com o Paraguai, o Brasil procura reatar e estreitar suas relações com a Bolívia, temendo, que tal batalha viesse alastrar-se numa situação bélica de solidariedade do idioma espanhol, de cultura e de amor-próprio ferido.

A negociações, então, transcorreram  em clima de compreensões recíprocas e honrarias brasileiras aceitas pelos bolivianos,  encantados e deslumbrados com tanto mimo  diplomático, convertido em  comendas e altas condecorações.

Em menos de três meses, os bolivianos, persuadidos por uma fórmula de harmonização do que aparentava ser de interesses comuns, concordaram assinar o tratado que recebeu o nome de Ayacucho, em 27 de março de 1867.

Contudo, os dois países assinaram o Tratado de Ayacucho sem o menor conhecimento da área referida no citado documento, muito menos do valor daquelas terras e sem atinar que eram os brasileiros quem estavam habitando e explorando aquela área, há dez anos. Sabiam que o documento em pauta cuidava dos limites relacionados aos rios Javari e Madeira. Atribui-se que tais providências eram básica e teoricamente imaginárias.

Enquanto isso a exploração do látex vai-se intensificando, consolidando sua produção e desenvolvendo sua exportação, com vistas ao breve alcance do famoso “auge da borracha”. Todo este empenho, à proporção que aproximava-se o final do XIX, é revestido do estilo mundialmente conhecido como “belle  èpoque”.

A força motriz dessas providências, de ressaltar, eram exclusivamente humana e genuinamente brasileira. Ali, até então e por alguns anos vindouros jamais ouvira-se falar em ocupação boliviana, muito menos em seringueiro boliviano.

No campo diplomático o jogo não fazia a menor referência ao que ocorria no norte do Brasil. Talvez pela grande dimensão do país, adicionada à influência do fato de D. João VI haver optado por transferir a capital do Império para o sudeste, a maioria dos interesses destinados ao progresso do Brasil também foi deslocada para aquela região, com extensão para o sul. A partir daí nasce um dito popular de que, no Brasil, há sempre destaque para a “industrialização” do sul e sudeste, em detrimento da “miserabilização” do norte e nordeste.

Foto: Revista Brasil-Europa
A História, porém, segundo os historiadores Arthur Cesar Ferreira Reis e Leandro Tocantins, registra que três anos antes da assinatura do Tratado de Ayacucho, chega à Amazônia o geógrafo britânico William Chandless, com o objetivo de examinar a veracidade da união aquática dos rios Purus e Madeira.

As explorações de Chandless negaram a existência de liame aquático entre os dois rios, desfazendo, então, versões inexatas, anteriormente difundidas. Em seguida o geógrafo inglês estendeu seus cálculos científicos ao rio Juruá.

O título de desbravador do Juruá, à semelhança de Manuel Urbano no Purus, é concedido a João da Cunha Correia que, em 1854, isto é, 13 anos antes do Tratado de Ayacucho, percorreu terras do Juruá e, depois de alcançar o Juruá-Mirim, subiu o rio Tarauacá, passando daí ao Envira, chegando por terra ao Purus. Lembram os nossos historiadores de que só não houve um registro histórico do encontro com Manuel Urbano porque, ao atingir o Purus, seu desbravador, no momento, encontrava-se no alto rio. O geógrafo William Chandless, então dez anos após, perfaz a mesma jornada de João da Cunha Correia, calculando haver cumprido cerca de 980 milhas. O Acre, então, sugere demonstrar-se totalmente abrasileirado!


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* José Augusto de Castro e Costa é poeta e cronista acreano. Reside em Brasília e escreve o blog FELICIDACRE.

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