PROFª. INÊS LACERDA ARAÚJO
Aos 40 anos adquirimos nosso caráter, segundo Kant. Essa aquisição é como que um renascimento, uma palingênese, uma promessa feita a si mesmo. "A fundação de um caráter é de fato a absoluta unidade do princípio interno de como viver em geral", afirma ele. É dever de cada um formar seu caráter no sentido moral, ser sincero, honesto e confiável. A maturidade favorece uma melhor compreensão das coisas, a ação diária segue máximas ou princípios que são um guia a ser seguido com firmeza e constância.
As máximas morais estão ligadas ao nosso modo de pensar e não ao de sentir, por meio delas se distingue o bom do mau caráter. Somos nossos próprios legisladores, não há necessidade de tutela, de seguir um líder, nem uma ideologia, nem ficar cego por doutrinas ou por ditames divinos.
Nessa época Kant começa a levar menos uma vida social e mais uma vida metódica e previsível, segue suas máximas como rigor nos estudos, na preparação das aulas, nas leituras e na sua produção intelectual.
Faz amizade com Green, que tem um estilo de vida que Kant admirava: a construção do caráter depende de seguir um estilo de vida regrado; visitava-o à tarde e saia pontualmente às 7:00 da noite. Green lia e comentava os escritos de Kant, tinha acesso às obras de Hume e Rousseau que estava entre os escritores favoritos de ambos.
A obra de Kant começa a repercutir, inclusive em Berlim, para cuja universidade foi convidado, mas declinou da cadeira de poesia, pois seu interesse era a metafísica e a moral.
Em 1765 passou a trabalhar na biblioteca de Königsberg, 4as e sábados à tarde, o que lhe dava proventos e a oportunidade de ler. Morou em quarto alugado na casa de seu editor. Comprou sua casa apenas aos 59 anos.
Acordava cedo, 5 horas da manhã, fumava seu cachimbo, depois do café preparava aulas e conferências. Lecionou a vida toda, pelo menos 20 horas semanais. Nas aulas de Antropologia e de Geografia, favorecia a compreensão dos alunos com exemplos. Mais tarde, a dificuldade dos temas metafísicos e morais prevaleceu.
Há um lado irônico pouco conhecido. Publicou anonimamente reflexões sobre visões e espíritos em resposta a um famoso vidente, Swedenborg. Espíritos não são de outro mundo como afirmam os visionários. Estes deveriam ser despachados para um hospital para investigação. Não seria caso de doença nas entranhas? Em seus momentos de humor, Kant se saiu com esta tirada: "visões são caso de entranhas, se para baixo, um pum (!), se para cima se confundem com uma aparição ou inspiração divina". Esse humor fazia parte das reuniões da sociedade literária, a qual Kant frequentou durante algum tempo.
Esse Kant pré-crítico, buscava um conceito de natureza, de tempo, sob influência da física e também de Rousseau. Natureza e razão humana se complementam.
Mas já há indícios do Kant crítico, as pessoas não se devem levar por conhecimentos ilusórios. O mundo dos espíritos é incognoscível, adota certo ceticismo propedêutico e catártico, ao estilo de Hume que viria a ser o filósofo responsável em grande parte por sua virada crítica. Crítica da razão, da metafísica tradicional, da moral dos sentimentos.
Kant das críticas e da metafísica dos costumes fica para a próxima postagem.
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