José Augusto de Castro e Costa
Plácido de Castro com seus cachorros no seringal Capatará |
A emboscada boliviana na “Volta da Empresa” repercutira como um verdadeiro desastre, chegando a pronunciar-se o pânico no seringal “Liberdade”, que Plácido, após a batalha, encontrara inteiramente deserto, tendo o próprio dono da cabana, tomado de terror, fugido com a família.
Contudo, o Caudilho não desanimara, de vez que sabendo-se ser um guerreiro completo, houvesse ele lutado em campo mais amplo, com comandados um pouco mais experientes, teria alcançado melhor resultado.
A estreia, com efeito, trouxera-lhe aproveitável lição. Estudando as causas da sensível baixa, Plácido de Castro verificara que todos os mortos e feridos vestiam-se de roupas claras, o que favorecera ao inimigo alvo certeiro. Imediatamente ordenara que os soldados brasileiros providenciassem uniforme azul, o mais rápido possível, conseguindo-o em poucos dias, graças à boa vontade de todos, sem exceção.
Reorganizadas as forças, Plácido traçara o plano de ataque a “Nova Empresa” e, para lá, pôs-se em marcha, com um contingente importante, em face do acréscimo de mais de cem homens tirados do seringal do coronel Antonio Antunes de Alencar.
Precisamente no dia 2 de outubro de 1902 estavam diante dos bolivianos novamente os acreanos, contando com a participação dos senhores Antunes de Alencar, Alexandrino Silva, que anos depois protagonizaria triste episódio, Gastão de Oliveira e outros. Todos reconheceriam a supremacia militar de Plácido de Castro, ocasião em que o aclamaram general, fato que recebera o declínio do Caudilho, não apenas por modéstia, mas, sobretudo, para evitar mau precedente de promoções por pronunciamentos.
A 5 de outubro, conforme planejado, os acreanos atacaram a “Volta da Empresa”, simultaneamente, pelo lado de cima e pela retaguarda.
Segundo apontamentos do próprio Plácido, “estando marcado o combate para às 10:00 da manhã, no momento em que o inimigo deveria estar descansando da formatura, tal não acontecera, porque o coronel Alencar mandara, às 9:30 atirar em uma sentinela inimiga, o que alterara bastante o resultado, pois não pudera o inimigo ser colhido de surpresa”.
Com efeito, a batalha fora iniciada com os acreanos abrindo fogo, com muita bravura e assombroso vigor, avançando sob um furacão de balas e desalojando os bolivianos de suas trincheiras, improvisadas no gaiola “Rio Afuá”, sequestrado pelo inimigo, que surpreendido pela vazante, ficara encalhado no porto da “Volta da Empresa”, sob violenta pressão, mostrando haver enfraquecido o âmbito da defensiva.
A noite o combate fora suspenso , a fim de que os mortos fossem enterrados e os feridos conduzidos para o hospital de emergência, na “Volta da Empresa”.
Logo ao amanhecer os bolivianos perceberam que estavam completamente cercados por elementos hostis, tais como uma frente humana de brasileiros abrindo fogo incessante, o paredão verde da floresta que os isolava de suas bases e, finalmente, o rio Acre minguando as precárias águas do estio, natural da época, que seria o caminho de Puerto Alonso, de onde deveriam chegar os recursos. O rio seco, obstruído pelos acreanos, completara a linha eficiente do bloqueio, impedindo o inimigo até de buscar água para beber.
Todavia Plácido de Castro sempre procurara demonstrar seu traço humano na guerra que empreendia, razão pela qual oferecera garantias para rendição ao Coronel Rosendo Rojas, Comandante das Forças Bolivianas em Volta da Empresa, e estabelecera bases condicionais para a suspensão das hostilidades, entre as quais, bloqueio do abastecimento de víveres e de água para os sitiados.
Apesar do caráter humanitário, o Caudilho era inflexivelmente rigoroso, a ver-se pela sua atitude para a execução de Antonio Português, o guia da coluna Coronel Rojas, preso por oficiais acreanos, para quem ordenara o imediato fuzilamento, após o qual, alguém vira rolar duas lágrimas dos olhos acreanos do gaúcho.
O combate da “Volta da Empresa” tivera prosseguimento por quase onze dias, quando, depois de alguns entendimentos por trocas de correspondências, o armistício seria aceito, contido na resposta afirmativa do Coronel Rozendo Rojas. Plácido, então, mandara elaborar uma Ata, redigida em português e espanhol, na qual constara garantia de vida para o Comandante e seus oficiais e soldados bolivianos, liberdade a todos os prisioneiros, licença aos indígenas carregadores e soldados casados para regressassem à Bolívia, via rio “Madre de Dios”, sob o comando de seus superiores, enquanto o Coronel Rosendo Rojas e demais aprisionados seguiriam para seu país, com baldeação por Manaus.
Plácido de Castro começara a provar ser um brasileiro inclinado à lealdade, à honra e ao cavalheirismo, de espírito elevado no momento de receber o adversário vencido. Acompanhado de cerca de 60 homens, descera o rio levando os bolivianos presos até o Antimarí, de onde prosseguiram para Manaus, com destino à Bolívia.
Ao regressar, por outro caminho, servindo-se de um varadouro para “Bom Destino”, Plácido tomou conhecimento da derrota da pequena força acreana no igarapé “Baía”, onde um baixo número de brasileiros fora vítima de fuzilamento e outros carbonizados, dentro do barracão incendiado por outra força boliviana.
Atravessando a floresta densa, o Caudilho atingira, a 17 de novembro, já com um total de 400 homens, a barraca Bela Vista, em Santa Rosa, no rio Abunã, onde, na manhã seguinte, seus pelotões delinearam o ataque, com imenso tiroteio contra as linhas bolivianas, protegidas por trincheiras de pelas de borracha, em combate que durara cerca de cinco horas, terminando com a dispersão das tropas inimigas, evadindo-se pelo emaranhado da selva. Os brasileiros concluíram o ataque, que se configurara no terceiro combate, ateando um vasto incêndio às casas e trincheiras bolivianas.
De Santa Rosa Plácido invadira a Bolívia, tomando “Palestina”, posto boliviano abastecido pelo quartel-general de Riberalta para, no princípio de dezembro dirigir sua tropa a Xapurí, de onde partiria para o quarto combate, no lugarejo denominado Costa Rica, guarnecido por aproximadamente 100 bolivianos.
Antes, porém, a 25 de outubro, Dom Lino Romero, Delegado boliviano em Puerto Alonso, sentindo bem claro a situação dos acontecimentos desencadeados no Acre, escrevera ao presidente da Bolívia, fazendo relato da revolução acreana, em que insinuara que seu país não deveria sacrificar-se por causa estéril, como a encontrada naquela região tão adversa aos seus caracteres gentílicos e raciais, e que, por natureza cultural, ecológica e ambiental, não lhe pertencia. Em certo trecho, escrevera textualmente Dom Romero, que “El Acre nominalmente ES de Bolivia, pero materialmente ES Del Brazil, todo contribuye à ello; inmensas distancias y obstáculo que ló separan Del resto Del paiz, La población extraña que ló Puebla, La falta de vias de comunicación dentro Del mismo território y finalmente La imposible adaptación de nuestra raza a este clima mortífero............ Se AL Brazil apetece El Acre, que ló posea em buena hora......... Tengo a bien comunicar a ud que el Sr. Placido de Castro y demás jefes enemigos se han portado com nuestros prisioneros com toda nobleza y cavallerosidad”.
Em tal missiva ao Presidente da Bolívia, Dom Lino Romero argumentara que povos poderosos não puderam manter, sob seu domínio, seres de outra raça e outros costumes, então os bolivianos, ainda em estágio débil e embrionário, não poderiam contrariar uma lei histórica comprovada a cada passo. Para a autoridade boliviana, em sã consciência, o Acre nunca poderia ser da Bolívia.
Porém esmorecer, em descumprimento de ordens, jamais! Os bolivianos, em Puerto Alonso, procuraram reconstituir o ânimo para enfrentar toda a adversidade que o destino, através de autoridades brasileiras e bolivianas, lhe houvera traçado. Cavaram trincheiras, derrubaram árvores, instalaram cercas de arame farpado, intensificaram o patrulhamento, verificaram as circunstâncias e armaram, em prontidão, o canhão tomado aos “Poetas” dois anos atrás. Enfim, mantiveram-se em alerta.
No princípio de janeiro de 1903, o Acre, ao norte da chamada linha Cunha Gomes, estava livre de bolivianos que, batidos por toda parte recuaram a território incontestável, concentrando-se em Puerto Alonso, onde o Coronel Lino Romero ainda dispunha de certa quantidade de soldados para a defesa de sua autoridade combatida, desacatada e periclitante, a qual, ele próprio, mantinha sem entusiasmo, por simples lealdade ao governo de seu país, conforme definira com a expressão de que “El Acre nominalmente ES da Bolivia, pero materialmente, ES Del Brazil”.
Dom Lino Romero fixara-se em Puerto Alonso, com sua autoridade limitada e encurralada, entre a floresta e o rio, com um quartel-general dos revolucionários ali próximo, em Caquetá, e, entre os flancos, as tropas de Plácido de Castro, ditador em toda a região, por aclamação popular. Sentira-se prisioneiro em sua própria cidadela - Puerto Alonso.
De salientar que Plácido de Castro, com sua saúde precária, em vista dos ataques do implacável impaludismo, caracterizado por longas e graves acessos de febre, que ocasionam frequentemente o estado comatoso, o qual às vezes precede a morte, exercera uma quase onipresença nos lugarejos do Acre. Quando não podia caminhar ou montar, era carregado numa rede para, num ponto necessariamente pré-estabelecido, erguer-se e, não só comandar, mas também proceder a artilharia. Já comandara efetivamente quatro combates atemorizantes.
A providência de estar presente o Caudilho onde fizera-se necessário, funcionara, pois sempre seu aparecimento desmentira os boatos espalhados, com relação à sua morte e consequentemente ao fracasso do movimento.
Contudo, a superioridade que os acreanos levavam sobre os bolivianos era incontestável e enlevavam a alma dos revolucionários. Plácido vira, como estímulo, o aumento considerável de seu exército, regularmente eficiente para as ações vindouras.
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BRASILEIRO POR OPÇÃO
* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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