Evandro Ferreira
De acordo com o Zoneamento Ecológico e Econômico do Acre (ZEE), predominam no estado duas grandes regiões fitoecológicas: a ‘Floresta Ombrófila Densa’, mais comum no vale do Juruá, e a ‘Floresta Ombrófila Aberta’, dominante nas regiões central e leste. É importante ressaltar que as florestas abertas geralmente ocorrem em zonas de transição entre a Floresta Amazônica e as áreas extra-amazônicas. A terceira região fitoecológica encontrada no Acre, as ‘Campinaranas’, ocorre em uma pequena área no extremo oeste do estado. São formações vegetais que ocorrem sempre associadas a solos de areia branca em locais extremamente úmidos.
O termo ‘floresta ombrófila’ refere-se às formações florestais nas quais predominam plantas cuja folhagem da copa é renovada de forma gradual ao longo do ano, conferindo um aspecto sempre verde ou perenifólio para a floresta. Estas florestas também caracterizam-se por apresentar um estrato superior – dossel – de grande porte composto por árvores emergentes que alcançam até 50 metros.
Nas regiões de florestas ombrófilas densas e abertas acreanas o ZEE definiu 17 classes de vegetação distintas, a maioria delas combinações de florestas com bambu e/ou palmeiras dominando o sub-bosque. As florestas com bambu dominante, as mais abrangentes, predominam em toda a região central e grande parte do leste do estado.
Entre 2005 e 2008, durante a realização de estudos florísticos na Estação Ecológica Rio Acre, no alto Acre, e no Parque Estadual Chandless, no médio Purus, foi observada a ocorrência de extensas áreas de florestas nativas onde mais de 50% das árvores emergentes do dossel apresentavam-se sem folhas no auge da estação seca – entre julho e setembro. O comportamento caducifólio do componente dominante dessas florestas ocorre em razão do período seco nas referidas regiões ser intenso e prolongado, estendendo-se entre meados de abril e meados de setembro.
Estas condições – mais de 50% de árvores caducifólias no estrato dominante, duas estações climáticas (chuva e seca) bem demarcadas e período seco superior a quatro meses – mostraram que a classificação dessas extensas áreas florestais como florestas ombrófilas, como proposto no ZEE, não é adequada. Se forem levadas em consideração as definições contidas no Manual Técnico da Vegetação Brasileira do IBGE, a referência obrigatória para a classificação de vegetação no país, o mais apropriado seria classificar estas florestas ombrófilas como ‘Floresta Tropical Caducifólia’ sensu lato. Infelizmente uma classificação no sentido estrito das recomendações do referido Manual é inviável porque a combinação das características apresentadas pelas florestas acreanas não se encaixa em nenhuma das proposições atualmente existentes.
As florestas caducifólias acreanas podem ser observadas mais facilmente em sobrevôos durante o período mais seco do ano, especialmente entre julho e setembro. Na figura acima é possível ver claramente que a maioria das árvores emergentes do dossel da floresta encontra-se sem folhas ou com folhas novas, indicando que passaram por processo recente de perda foliar. No entorno de Rio Branco é possível observar esse fenômeno não apenas nos remanescentes de florestas primárias, mas também em florestas secundárias (capoeiras). E quem adentra a floresta no auge do período seco observa que a camada de folhas secas sobre o solo é bem espessa e encontra-se bem preservada em razão da falta de umidade, fato que impede os microrganismos de realizar o seu trabalho de decomposição da matéria orgânica.
O comportamento caducifólio das árvores emergentes nas florestas do leste e centro do Acre é uma resposta à falta de água no solo decorrente do longo período seco que causa um estresse hídrico nas mesmas. A queda das folhas protege as plantas contra a perda de água pela transpiração que ocorre na superfície das folhas. Se as plantas mantivessem suas folhas no período seco elas iriam perder água até entrar em colapso.
A queda das folhas das árvores emergentes nas florestas caducifólias acreanas resulta em um curto repouso fisiológico das mesmas, equivalente ao período de estresse fisiológico causado pela falta de água, ocasião em que o seu crescimento diminui ou para por completo. Em árvores de grande porte e troncos de grande diâmetro, ocorre uma paralisação do crescimento radial (engrossamento do tronco) e sua retomada algum tempo depois resulta na formação de um anel de crescimento. Esses anéis são claramente visíveis na fotografia de um corte transversal do tronco de uma copaibeira (Copaifera sp.) (ao lado). Esta foto, de autoria do pesquisador Evandro Orfanó Figueiredo (Embrapa-Acre), é resultado de uma pesquisa inédita e pioneira na Amazônia conduzida pelo referido pesquisador que pretende desenvolver modelos matemáticos para estimar o crescimento de espécies madeireiras tropicais com base em anéis de crescimento.
Na referida foto é possível contar pelo menos 48 anéis de crescimento, indicando que ao longo de sua vida esta planta sofreu, repetidamente, estresses fisiológicos que causaram a interrupção do crescimento radial de seu tronco. É possível observar também que a distância entre os anéis é variável, indicando que ao longo do tempo o estresse causado pela falta de água foi mais ou menos severo. Exatamente como acontece com o nosso clima, onde temos anos mais ou menos secos.
A confirmação da existência de florestas caducifólias no centro e leste do Acre também contribui para um melhor entendimento sobre a ocorrência de cerca de 180 mil km² de florestas com o sub-bosque dominado por bambu no Acre e regiões adjacentes do Amazonas, Peru e Bolívia.
Estudos científicos já mostraram que a expansão do bambu na floresta é favorecida pela abertura de clareiras que disponibilizam luz e espaço físico para o seu estabelecimento. Outro fator, os incêndios florestais, além de fornecer espaço e luz, elimina outras espécies concorrentes do bambu. Estudos também comprovaram que o bambu tem um ciclo de vida de cerca de 30 anos, findo o qual ocorre a floração e morte simultânea de todas as plantas de uma mesma população – que chega a ocupar dezenas de hectares.
Para manter a dominância no sub-bosque das florestas onde crescem, é indispensável que as plântulas de bambu germinadas após a mortalidade das plantas adultas disponham de espaço físico e, principalmente, luz abundante para crescer e se estabelecer rapidamente. Entretanto, se considerarmos que a abertura de clareiras nas florestas é um evento episódico e espacialmente não relacionado à presença de bambu, pode-se concluir que esse mecanismo natural não explica a persistência e o avanço na dominância do bambu em grande parte das florestas acreanas. Assim, a ocorrência de extensas áreas de florestas caducifólias no centro e leste do Acre talvez seja a principal razão para a dominância do bambu nestas regiões.
A queda anual das folhas das árvores emergentes nessas florestas, um evento recorrente e de amplo alcance por toda a região, permite que a luz do sol atinja de forma regular e prolongada o sub-bosque, fornecendo luz em abundância para que o bambu se estabeleça e mantenha a sua dominância nessas florestas. Sem isso, e dependendo apenas da abertura eventual de pequenas clareiras na floresta, a mortalidade simultânea de extensas populações de bambu faria com que a sua dominância fosse afetada negativamente, diminuindo com o passar dos anos.
Por essa razão, não é demais afirmar que a grande ocorrência de bambu em áreas florestais no extremo sul-ocidental da Amazônia está diretamente ligada à existência de florestas caducifólias. É possível também afirmar que o domínio dessas florestas, e do bambu que as habita, é limitado não por razões ligadas ao tipo de solo onde crescem, mas ao clima a que estão sujeitas.
Se não fosse assim, e considerando a agressividade natural e o sucesso do bambu em colonizar novas áreas sob condições adequadas de luz e espaço físico, a ocupação das florestas do sul da Amazônia pelo bambu seria muito mais significativa do que é na atualidade.
* Evandro Ferreira - acreano, nascido em Rio Branco, pesquisador do INPA-AC e do Parque Zoobotânico da UFAC. Mestrado em Botânica no Lehman College, New York, USA, e Ph.D. em Botânica Sistemática pela City University of New York (CUNY) & The New York Botanical Garden (NYBG).
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