Abel e Caim se encontraram depois da morte de
Abel. Caminhavam pelo deserto e se reconheciam de longe, porque os dois eram
muito altos. Os irmãos sentaram-se na terra, fizeram um fogo e comeram.
Guardavam silêncio, à maneira das pessoas cansadas quando o dia declina. No céu
despontava alguma estrela, que ainda não recebera seu nome. À luz das chamas,
Caim notou na testa de Abel a marca da pedra e deixou cair o pão que estava
para levar à boca e pediu que seu crime lhe fosse perdoado.
Abel respondeu:
– Tu me mataste ou eu te matei? Já não me lembro; aqui estamos juntos como antes.
– Agora sei que você me perdoou de verdade – disse Caim –, porque esquecer é perdoar. Eu também tentarei esquecer.
Abel disse devagar:
– Assim é. Enquanto dura o remorso, dura a culpa.
BORGES, Jorge Luis. Poesia. [trad. Josely Vianna Baptista]. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.70
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