quinta-feira, 23 de maio de 2013

UM INTELECTUAL QUE USA TOGA

Antonio Stélio
 
 
Ele já exibe os sinais do tempo com os cabelos brancos se revelando nada sorrateiros, mas mantém o viço e a têmpora de um intelectual forjado nas barrancas do Juruá. Seu nome é Arquilau de Castro Melo, um acreano de boa cepa, que teima, com sua resistência intelectual, em combater na trincheira do resgate e manutenção de nossa história e nossa cultura.
 
Desde décadas atrás, por seu histórico, este ser humano notável, porque despreendido, dedica-se às causas mais importantes e fundamentais para escrever a história de um povo – e de uma terra – que, para ele, representam uma sublime inspiração. Arquilau, com sua simplicidade, nunca deixou a toga lhe subir à cabeça e nunca procurou viver na redoma onde muitos outros tentam se proteger. Pelo contrário, desde cedo sempre mostrou a sua cara.
 
Jovem e inteligente, este acreano-juruaense que frequentou o tradicional Colégio Acreano, dos bons tempos, meteu-se a defender, como advogado, seringueiros e ribeirinhos expulsos pela falência dos seringais e pela ocupação dos latifundiários por aqui aportados, ávidos por terras que adquiriam a preço de banana. E isso tudo em uma época perigosa, em um tempo em que defender os desvalidos significava ser carimbado como inimigo do Estado.
 
Como juiz ou desembargador ou dirigente máximo de Tribunais, Arquilau de Castro Melo nuca se travestiu da empáfia própria do pseudo intelectual, mas sempre manteve o rigor ético de um acreano à moda antiga, ou seja, aquele que sabe da mortalidade e tem a sapiência dos rios e das matas.
 
Não por outra coisa, ele sempre procurou fazer das oportunidades da vida um escoadouro das enxurradas históricas que marcam o Acre e sua gente. E por isso mesmo, quando presidente do Tribunal de Justiça fez editar uma coleção de livros que versavam sobre a nossa cultura amazônida, e que deveria estar nas bibliotecas de nossas escolas.
 
E, não contente, resolveu o próprio Arquilau a botar a mão na massa e produzir textos que garimpam a nossa história e corrigem distorções de olhares enviesados de certos historiadores vítimas de amnésias em relação a fatos gloriosos. Exemplo disso é a guerra entre seringueiros do Acre e caucheiros peruanos, logo após a guerra contra os bolivianos, tão decantada por ufanistas apressadas em registros simplistas.
 
Arquilau foi o primeiro acreano, em artigo belíssimo, a relatar a guerra comandada pelo coronel José Ferreira de Araújo, às margens, numa primeira etapa, do Chandless,e, noutra, em pleno Purus. E o fez com a mesma têmpora dos que, alheios aos atrasos do exército nacional, impuseram as armas e venceram as batalhas que garantiram a fixação dos limites do Acre com o Peru.
 
Recentemente, Arquilau de Castro Melo também corrigiu um lapso da bibliografia histórica do Acre, ao editar um livro que registra a passagem do grande escritor Euclides da Cunha pelo Acre, já famoso por ter escrito o seu Os Sertões. Esse buraco negro em nossa história, graças a Arquilau, não existe mais.
 
A obra - Segundo as resenhas mais conhecidas da obra, “o olhar que o escritor Euclides da Cunha dispensou ao Nordeste em sua obra mais marcante - Os Sertões - ele também dedicou à Amazônia. A expedição do autor à região que hoje é o Acre é uma parte ainda pouco explorada de sua biografia e se transformou em tema do livro Euclides da Cunha - Expedição ao Acre, lançado pelo desembargador Arquilau de Castro Melo.
 
Arquilau Melo reconstrói a expedição liderada pelo escritor, em 1904. São cinco capítulos nos quais ele aborda aspectos históricos e traça um perfil de Euclides da Cunha. Um dos episódios importantes é a Guerra do Purus, o embate entre brasileiros e peruanos na região.
 
Estão reunidos, ainda, extratos do diário de viagem produzido por Euclides da Cunha, assim como do relatório oficial da Comissão Mista Brasileira-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus.
 
Ao ler o livro, no entanto, não pude me furtar de traçar um olhar pessoal, e me sentir com a alma lavada com o registro fundamental que nestes solos pisaram pés nobres de homens com envergaduras capazes de escrever o nome de nossa terra no Arquivo Nacional. E Arquilau foi quem cuidou de nos dar a ponta de orgulho. O livro deveria ser obrigatório nas escolas e academias locais.
 
Mas, para quem, como repórter nos tempos da ditadura, teve o tino de investigador, “furão” e atrevido, como Arquilau, tem sempre uma surpresa a mais. E foi justamente ele que, num golpe certeiro, descobriu outra pérola da história do Acre, ao detectar que um jovem delegado assassinado com tiros à queima-roupa, num barraco de seringal, simplesmente, era o filho primogênito do próprio Euclides da Cunha, que em 1916 morrera em diligência a um seringal. O rapaz se chamava Sólon Cunha, e seus restos mortais foram engolidos pela floresta implacável.
 
Enumerar o trabalho intelectual deste agente cultural em que se constituiu Arquilau de Castro Melo, apenas faria crescer este texto, e isto, pelas evidências, torna-se desnecessário. Nos basta apenas saber que nem tudo em nossa cultura será devorado pela traça do esquecimento, pois existem pessoas que, como ele, não se deixam enganar pelos encantos dos cantos escuros.
 
 
QUEM É ARQUILAU
 
 
Natural de Cruzeiro do Sul (AC), Arquilau de Castro Melo nasceu em 26 de dezembro de 1952. É casado e tem dois filhos. Mudou-se para Rio Branco no início da década de 1970, onde concluiu o 2º Grau no tradicional Colégio Acreano, dos bons tempos. Ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Acre em 1976. No ano seguinte, entrou para a redação do jornal alternativo “O Varadouro”, editado pelos jornalistas Élson Martins e Silvio Martinello. Com o fim do jornal “O Varadouro”, em 1981, migrou para o jornal “A Gazeta do Acre”, onde trabalhou como repórter.
 
Após concluir o curso de Direito, em 1980, passou a advogar na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (CONTAG) e para o Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Acre, ligado à Diocese do Acre-Purus. Nessa condição, deu assistência jurídica aos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Acre e às Associações de Moradores de Rio Branco. Participou de movimentos populares ligados à defesa dos excluídos e foi o principal advogado de centenas de famílias seringueiras que, expulsas da floresta, encontravam na invasão de terrenos nas periferias da cidade a única alternativa para conseguir um teto.
 
Arquilau Ingressou na magistratura acreana em 1986, após ter sido aprovado em concurso público de provas e títulos. Em 1994 foi promovido, por merecimento, ao cargo de desembargador. Foi Corregedor Geral da Justiça no ano de 1998, e Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Acre em 2000. Assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça do Acre durante o biênio 2001/2003.
 
Há mais de dez ele anos integra o Conselho de Notáveis do Estado do Acre. Mas, Arquilau é notável por si mesmo, independente de qualquer conselho. Ele já assumiu, interinamente, o Governo do Estado do Acre em abril do ano de 2002 e foi homenageado com a insígnia no Grau de Grã-Cruz, da Ordem da Estrela do Acre.
 
Como magistrado valoroso, foi Juiz de Direito em Tarauacá, Sena Madureira e Rio Branco. Também já presidiu o Tribunal Regional Eleitoral. Desde 1997 é o Coordenador do Projeto Cidadão, desenvolvido pelo TJAC em parceria com diversos órgãos e instituições.
 
 
 
Nota: O artigo foi originalmente publicado no Jornal A Tribuna, em 23-05-2012. Sobre Arquilau de Castro Melo vale recordar ainda que era o único advogado acreano à época que Chico Mendes confiava. Melo se aposentou em janeiro deste ano como desembargador do Tribunal de Justiça do Acre.

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