José Saramago
Culturalmente, é mais fácil mobilizar os
homens para a guerra que para a paz. Ao longo da história, a Humanidade sempre
foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de
conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz
para a preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas
as guerras foram declaradas. É sempre para que amanhã vivam pacificamente os
filhos que hoje são sacrificados os pais...
Isto se diz, isto se
escreve, isto se faz acreditar, por saber-se que o homem, ainda que
historicamente educado para a guerra, transporta no seu espírito um permanente
anseio de paz. Daí que ela seja usada muitas vezes como meio de chantagem moral
por aqueles que querem a guerra: ninguém ousaria confessar que faz a guerra
pela guerra, jura-se, sim, que se faz a guerra pela paz. Por isso todos os dias
e em todas as partes do mundo continua a ser possível partirem homens para a
guerra, continua a ser possível ir ela destruí-los nas suas próprias casas.
Falei de cultura.
Porventura serei mais claro se falar de revolução cultural, embora saibamos que
se trata de uma expressão desgastada, muitas vezes perdida em projectos que a
desnaturaram, consumida em contradições, extraviada em aventuras que acabaram
por servir interesses que lhe eram radicalmente contrários.
No entanto, essas
agitações nem sempre foram vãs. Abriram-se espaços, alargaram-se horizontes,
ainda que me pareça que já é mais do que tempo de compreender e proclamar que
a única revolução realmente digna de tal nome seria a revolução da paz, aquela
que transformaria o homem treinado para a guerra em homem educado para a paz
porque pela paz haveria sido educado. Essa, sim, seria a grande revolução mental,
e portanto cultural, da Humanidade. Esse seria, finalmente, o tão falado homem
novo.
in O Caderno, 7 de
maio de 2009
> Texto publicado no site Outros Cadernos de Saramago.
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