Josué de Castro (1908-1973)
Dos retirantes que, acossados pelo flagelo, em suas múltiplas
investidas, se dirigiram para a Amazônia atraídos pela miragem do ouro branco calcula-se que meio milhão
foi dizimado pelas epidemias, pelo paludismo, pela verminose e pelo beribéri.
(...)
A Amazônia, ou melhor, o Acre, que era seu
ponto de atração mais forte, foi o grande sorvedouro de vidas sertanejas: “O
Acre é como outro mundo: pode ser muito bom mas quem vai lá, não volta mais”,
diz em tom melancólico um personagem de A
Bagaceira, que assim fala mas que também acaba partindo passivamente para o
inferno verde.
Uma das causas desta absurda mortandade dos
sertanejos nordestinos no vale amazônico era absoluta incúria com que se
procedia à imigração do flagelado para a nova área. Afirmava Euclides da Cunha
que não conhecia na história exemplo mais anárquico de emigração do que a
realizada desde 1789 entre o Nordeste e a Amazônia.
Escrevendo sobre Euclides da Cunha, o
escritor Silvio Rabello retratou a improvisação da colonização amazônica com as
seguintes palavras: “O sertanejo que se dispusera a penetrar na Amazônia
dificilmente conseguia adaptar-se às condições nosológicas da região. Em regra,
sucumbe às febres ou ao regime de carência. A terra recém-aberta ao povoamento
estava longe de ser um leito macio para seus desbravadores. É ainda um pantanal
que espera os mais elementares cuidados de engenharia sanitária. A umidade e o
calor são ali meios de cultura ideal aos germes mortíferos. Por outro lado,
nenhum esforço realiza o colono para adaptar-se à sua nova condição de vida. Continua com os seus antigos hábitos: a mesma alimentação, o mesmo vestuário, o
mesmo tipo de habitação. A terra e o homem não se aproximam nem se entendem
reciprocamente.”
Ainda por ocasião da chamada batalha da
borracha, que se desenvolveu durante a última guerra, dos 30.000 nordestinos
que foram levados como soldados desta batalha, afirma-se que um número impressionante
deles pereceu, abandonado nas zonas dos seringais. O fato alcançou tais
proporções que levantou grande celeuma na Assembleia Nacional.
Depoimento interessante a respeito são também
o discurso pronunciado pelo Deputado Paulo Sarasate e o informe prestado pelo
Sr. Firmino Dutra, então presidente do Banco da Borracha, perante a Comissão de
Investigação Parlamentar, e no qual opina ser o desastre desta mortandade
oriundo da falta de adaptação racional desta gente jogada sem nenhuma
preparação nos perigosos igarapés da Amazônia. Numa reportagem sobre o assunto,
dos Jornalistas David Nasser e Jean Manzon, lê-se o seguinte: “A guerra
terminou. Os cearenses que tinha partido não voltaram. Uns voltarão, talvez,
porque, dos 54.000 soldados da borracha – segundo os dados apresentados na
Assembleia Nacional Constituinte pelo Deputado Paulo Sarasate –, a maior parte
dorme à sombra das florestas amazônicas. Morreram longe dos seus, por um sonho
de riqueza, pela esperança de melhores dias. O Exército da Borracha ainda hoje
moribundo, espalhado, derrotado, faminto e errante, como em terra inimiga,
perdido entre as árvores enormes, afogado nos pântanos do deserto verde,
definitiva e inapelavelmente vencido. O treme-treme, a terçã maligna, a
disenteria amebiana, a fome, a absoluta falta de recursos eram mais fortes que
a coragem, a dedicação, a bravura e a teimosia dos homens do Ceará, da Paraíba
do Norte, da Bahia e do Rio Grande do Norte.”
CASTRO, Josué de. Geografia da fome (dilema
brasileiro: pão ou aço). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.221-222
> A primeira edição de Geografia da Fome é de 1946.
> A primeira edição de Geografia da Fome é de 1946.
> Para quem desconhece a vida e a obra de Josué de Castro, e sua importância, no Brasil e no mundo, em relação à problemática
da fome, veja aqui o documentário “Josué de Castro: Cidadão do mundo”, de Silvio
Tendler, já postado anteriormente neste blog.
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