Armando Nogueira (1927-2010)
Voar é um milagre.
Que o digam os dois terços dos seres vivos
aos quais a vontade divina concedeu tão abençoada graça. Por isso, considero
todos eles autênticos rebentos dos céus.
Há quem veja no aviador um ser heroico. Pois
eu vos digo do alto do meu ultraleve: nem heroico, nem épico. O homem que voa
é, sobretudo, um ser utópico. Um ser místico. Milênios se esfumaram: os
pássaros voando, os homens pastando, neste vale de lágrimas.
Voa a borboleta – asa de vitrais, no seu voo
soluçante.
Voa a galinha – não sei bem pra que. Puro
assanhamento.
Voa o bem-te-vi – benza-te Deus.
Voa a garça, branca, leve – branca de neve.
Voa a andorinha – prenda minha.
Voa o urubu, luto fechado, teu planeio te
redime.
O mosquito voa, bichinho à-toa, também voa.
O vaga-lume também voa – vaga luz, navegando
pela noite, sua noite intermitente.
Voa o morcego – nunca vi asas tão vis.
Voa a coruja – rasante maldição da
meia-noite.
A gaivota voa – como invejo a tua dócil
geometria.
Até o besouro... o besouro também voa,
rastejando pelo espaço sua penosa aerodinâmica.
Graças à imaginação, o homem acabaria
contemplado com o dom de voar. Um dia, alguém me perguntou porque gosto tanto
de voar.
Devaneio puro.
Quem voa, sobrevoa.
Quem voa, sobreleva.
Quem voa é cúmplice dos ventos.
Quem voa busca no céu um lugar de onde Deus
possa vê-lo melhor.
Quem voa perpassa as sete cores do arco-íris.
Quem voa reparte com os anjos a castidade
azul do céu.
Quem voa é confidente das nuvens.
Quem voa sabe que a nuvem tem coração de
mulher: beija e balança...
Quem voa sente o perfume das
rosas-dos-ventos.
Quem voa é capaz de ouvir e entender
estrelas.
Quem voa contempla, de perto, o instante em
que o sol se cala.
Quem voa, quando pousa, está voltando da
eternidade.
Só quem voa descobre o tamanho de Deus.
Troco duas pernas em bom estado de conservação por duas asas bem voadas.
> Armando Nogueira era grande apaixonado por
voar. Fundou no Rio de Janeiro o CEU (CENTRO ESPORTIVO DE ULTRALEVE), onde realizava
inúmeros voos com o seu MARQUÊS DE XAPURI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
Outros contatos poderão ser feitos por:
almaacreana@gmail.com