sexta-feira, 15 de novembro de 2013

HERANÇA

Raul Bopp (1898-1984)


– Vamos brincar de Brasil?
Quero morar numa casa grande
... Começou desse jeito a nossa história

Negro fez papel de sombra.

E foram chegando soldados e frades
Trouxeram as leis e os Dez Mandamentos
Jabuti perguntou
“– Ora é só isso?”

Depois vieram as mulheres do próximo
Vieram imigrantes com almas a retalho
Brasil subiu até o 10.o andar

Litoral riu com os motores
Subúrbio confraternizou com a cidade

Negro coçou piano e fez música

Vira-bosta mudou de vida
Maitacas se instalaram no alto dos galhos

No interior
o Brasil continua desconfiado
A serra morde as carretas
Povo puxa bendito pra vir chuva

Nas estradas vazias
cruzes sem nome marcam casos de morte
As vinganças continuam
Famílias se entredevoram nas tocaias

Nas bandas do cemitério
Cachorro magro sem dono uiva sozinho

De vez em quando
a mula-sem cabeça sobe a serra
ver o Brasil como vai


BOPP, Raul. Cobra Norato e Outros Poemas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. p.105-106

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DOM HÉLDER CÂMARA


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