Inês Lacerda Araújo
A legitimidade e os efeitos políticos dos
protestos na Venezuela e na Ucrânia, estão na ordem do dia.
O sucessor de Chaves, Nicolás Maduro perde
o controle de seu governo a cada dia que passa. Argumenta-se que a
Venezuela bolivariana é um obstáculo à influência dos EUA, que o governo
norte-americano apoia os protestos em razão do petróleo abundante no país
latino. Já a parte da população que protesta, quer liberdade de voz e voto, fim
da censura, melhoria na produção de itens básicos, controle da inflação, enfim,
um governo mais responsável e menos ideológico. Ajudar Cuba enquanto há
desabastecimento é, no mínimo, injusto. Mas Maduro foi eleito, a democracia
venezuelana, apesar de um sistema judiciário arbitrário, vige no país.
A Ucrânia também elegeu um presidente. Este,
após protestos que já duram meses e causaram inúmeras mortes, se refugiou não
se sabe onde. A Rússia, com Putin, quer manter a influência sobre a Ucrânia e a
Crimeia, região anexada pela Ucrânia nos anos 50, estratégica para a Rússia devido
ao porto de Sebastopol no Mar Negro. Para o gás russo chegar à União Europeia,
passa pela Ucrânia. Esta não pode boicotar os gasodutos, pois tem interesse em
se unir à UE.
Como se vê, a situação em ambos os países tem
variáveis difíceis de equacionar.
A democracia tem e precisa ter várias vozes,
e essas vozes devem ser representadas por presidente e deputados eleitos por
meio de leis e regras estabelecidas em comum acordo, discutidas e votadas em um
sistema aberto, que funciona bem.
A mesa de negociações deveria ser o local de
plena vigência dos regimes democráticos, nela deveriam ser ouvidos governo,
parlamentares, representantes do povo, do poder judiciário de tal modo que as
reivindicações sejam ouvidas, discutidas e comunicadas. Imprensa livre é fundamental
como canal de acesso às informações.
Ora, nos países em foco essas vozes múltiplas
não têm sido ouvidas, pelo contrário.
Quais seriam os requisitos para que sejam
ouvidas e atendidas?
Em toda sociedade, diz Habermas, há três colunas mestras: a da sociedade
propriamente dita, a da cultura e a da personalidade. Normas, valores e
educação pautam cada uma delas, respectivamente.
Sociedades devem ser constituídas de modo a
haver convívio entre as diferentes e diversas camadas da população, devem ser
atendidas as necessidades básicas de seus cidadãos, leis devem ser obedecidas,
regras de convivência respeitadas. Alguns chamam a isso de civilização.
A cultura diz respeito aos aspectos
simbólicos como literatura, arte, ciência, e todo o saber que circula no que
Habermas chamou de "mundo da vida".
A personalidade é formada por pessoas, sua integridade, o modo como foram
educadas e como respeitam umas às outras.
Quanto mais fortalecidas essas bases,
melhores são as condições para que a produção econômica e as estratégias do
poder político (o sistema) se estabeleçam sem colonizar o mundo da vida, isto
é, sem que normas, educação, valores sejam pautados pelo dinheiro e pelo poder.
Entrar no debate
democrático requer, portanto, o bom funcionamento das instituições, nível
cultural e educacional cada vez mais aprimorados, e pessoas íntegras. Em outras
palavras, reivindicações justas e legítimas, pleiteadas publicamente por
pessoas honestas e preparadas para o debate.
Faltam todas essas condições tanto à Venezuela como à Ucrânia.
E no Brasil? Falta justiça social, melhoria urgente na educação, melhores
condições de vida, principalmente nas grandes cidades. Isso, por enquanto, tem
sido compensado pelo funcionamento das instituições públicas, da constituição,
da imprensa livre. Não desejamos nem um presidente fantoche e nem ingerência
externa em assuntos internos.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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