Inês Lacerda Araújo
A virtude da coragem deixou de ser modelo
ético em nossos dias. A coragem é considerada um atributo da força física, ou
uma qualidade atlética, no sentido de enfrentar e vencer perigo. Ser corajoso
significa destemor, não ter medo de obstáculos, caso dos desportistas em geral.
Nada contra...
Mas, a coragem ética é de outra natureza. Não requer
treinamento, exercício ou superação. Requer uma aguda consciência de viver
conforme seus projetos, saber-se só nos momentos cruciais de decisão, encarar a
vida do ponto de vista de nossa mortalidade. Assim, subir em uma montanha não
seria desafiar os perigos, e sim poder contemplar, alargar horizontes e
perspectivas. Olhar lá de cima o precipício, entender que essa altura e essa
contemplação são a metáfora por excelência para a coragem ética, é raro
encontrar quem assim reflita. E por que?
Não interessa às pessoas enfrentarem a si
mesmas, se ocuparem consigo, perceberem a si próprias como um ponto frágil e ao
mesmo tempo forte. Frágil porque mortais, embora fortes o suficiente para
abastecer seu dia a dia com a confiança dos que usufruem e sorvem da passagem
do tempo, que procuram compreender, ouvir, tolerar, que abominam hipocrisia e
fingimento. Que prezam a autenticidade.
E por que essa virtude é tão importante?
A importância dessa virtude, a coragem moral,
decorre de suas consequências: desprendimento, solicitude, grandeza, abertura
para o outro, para o diferente, a aceitação e compreensão dos limites do
humano.
Quanto à ética da responsabilidade,
essa é bem conhecida, inculcada, e dela só se eximem os que agem de má-fé.
Fomos educados para o estudo, para o
trabalho, para a responsabilidade com deveres e com compromissos. Não temos
desculpa para atrasos, para faltas, somos cobrados o tempo todo no trabalho,
pelo Estado, pela família, nas transações de compra e venda, somos afogados por
impostos, somos responsabilizados por todo tipo de atitude, as que devem ser
tomadas e as que não devem ser tomadas. Crianças não escapam, idosos não
escapam. A impressão é de que apenas prisioneiros estão dispensados de tarefas,
responsabilidade e deveres!
Que contraste entre os dois estilos de vida,
o do solitário no alto da montanha, e o do cidadão responsável! Seguir regras,
ter direitos e deveres, sentir-se e saber-se responsável pelos que nos são
próximos e também pela própria humanidade, como queria Kant (a ética do dever),
isso tudo pesa e muito. Parece incompatível com certa leveza que há no modo de
viver do corajoso, como o leão ou, melhor, a águia de Nietzsche.
Muito difícil, senão impossível viver como um
ermitão. Não há sequer espaço para a solidão!
Mas, se a responsabilidade for tomada em sentido
mais amplo, se, além de cumprir deveres ela incluir a mais completa e total
solidão das tomadas de decisão, como quer Sartre? Quer dizer, não haveria um
atributo ou uma propriedade humana, para além das virtudes acima? Sim, a liberdade,
ela é inerente aos seres humanos, um bem inalienável, não se destitui ninguém
de sua liberdade. Mesmo alguém escravizado pode assumir-se como livre do ônus
de quem escraviza.
É na condição de seres livres que a coragem e
a responsabilidade se complementam e se compatibilizam.
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