Olivia Maria Maia
— Vó, posso entrar?
— Entre, Clarinha.
— A senhora anda tão
quieta e sumida, Vozinha. Faz dois dias que não a vejo molhando as plantas — disse
a neta, enquanto passava as mãos nos cabelos brancos de Dona Lucy.
— Nada não, minha
pequena. O reumatismo me atacou.
— Vó, nunca ouvi
alguém dizer que reumatismo ataca a língua das pessoas. Durante o jantar a senhora
não deu uma só palavra. E tem passado o dia todo trancada aqui sozinha.
— Uhum... É só mesmo
falta de assunto — disfarçou, baixando a cabeça para que a menina não visse a
mentira estampada no seu olhar. Foi inútil.
— Mentir é feio...
Foi a senhora mesma que me ensinou. Lembra quando me dizia que se eu mentisse
meu nariz ia ficar grande?
Dona
Lucy sorriu, procurando esconder o que não caberia na curiosidade de Clara.
Abraçou-a, apertando-lhe as bochechas.
— Que bagunça, Vovó!
A senhora tá arrumando as gavetas? — perguntou a menina, enquanto caminhava até
a cômoda.
Dona
Lucy pegou Clara pelas mãos. Apanhou um saquinho vermelho de cetim que estava
na gaveta do móvel. Um cheiro forte de naftalina se espalhou pelo quarto,
enquanto ela retirava de dentro uma melindrosa preta e uma piteira. Alguns
confetes desbotados caíram sobre a cama. Ela segurou a longa piteira e
colocou-a na boca. Rodopiou pelo quarto imitando baforadas de fumaça, enquanto
cantarolava, imitando a voz do Francisco Alves:
— Confete,
pedacinho colorido de saudade... ai, ai, ai, ai... ao te ver na fantasia que eu
usei, confete, confesso que chorei... chorei porque lembrei... — parou bruscamente.
— Vó, a senhora tá
chorando?
— Não, foi só um
ciscozinho. Acho que foi a poeira dos confetes que estão aí escondidos há muito
tempo — tentou disfarçar.
Pegou a
melindrosa e, acariciando as franjas que insistiam em se desprender, sentiu o
peito apertar de saudade: de Helena, Lúcia, Madalena, Célia... Do carnaval de
1952. Mais uma vez conteve as lágrimas:
— Quando chegará minha
hora de usar, também, minha fantasia de anjo? — sussurrou.
Apenas o silêncio... De anjos, Clara entendia.
> Olivia Maria Maia é escritora acreana, radicada em Brasília. Autora de Em rio que menino nada raia não ferra (2010) e Se a catraia não virar (2013), a qual pertence o texto acima.
> Olivia Maria Maia é escritora acreana, radicada em Brasília. Autora de Em rio que menino nada raia não ferra (2010) e Se a catraia não virar (2013), a qual pertence o texto acima.
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
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