quinta-feira, 8 de maio de 2014

AMARGA LEMBRANÇA DA HISTÓRIA

José Augusto de Castro e Costa


Há precisamente cinquenta anos, o jovem JOSÉ AUGUSTO DE ARAÚJO renunciara ao encargo de governador do estado do Acre.

Eleito com apenas 32 anos de idade, o primeiro governador do então mais novo estado da federação, sempre estivera ciente das dificuldades que se lhe apresentariam, sabedor que era da irresistível pressão que viria a sofrer, com extensão aos seus familiares, inclusive, por ser ele o principal responsável, em vista do carisma, de sua competência, equilíbrio e serenidade, que refletiram na esmagadora derrota da classe conservadora, que dominava o Acre, há várias décadas.

Com o atraente slogan “O ACRE PARA OS ACREANOS”, cercando-se de um secretariado reconhecidamente ultra jovem, onde o mais vivido tinha apenas 45 anos de idade, o primeiro executivo acreano eleito pelo povo, viria  ser acusado, de início, de inexperiência e de não receber cooperação de elementos de “reconhecidos  valores”.

Assim, algumas medidas ousadas do governador JOSÉ AUGUSTO, na verdade, vieram colidir, contundentemente, com o pensamento e atitudes da oligarquia política e econômica  acreanas.

No plano educacional, por exemplo, fizera-se ver e sentir a suma importância da educação, destacando-se de que a base vital de um povo é o saber e o conhecimento, salientando-se que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é virar o opressor”.

A oposição não encontrava elementos para combater a administração acreana, até nascer, na alma oposicionista brasileira, o fantasma do “comunismo”, combatido pela famigerada TFP, cujo corpo começou a formar-se a partir de fevereiro de 1964.

Por essa época, o governador JOSÉ AUGUSTO, que encontrara-se fora do estado, a tratamento de saúde, tomara  conhecimento da situação desfavorável  que evoluíra-se na  política do Acre,  e providenciara urgentemente seu  regresso à sede  do governo.

Um mês após seu retorno, a oposição, conduzida e liderada, cruelmente, pelos deputados Aluizio Queiroz e capitão Eloy Abud (respectivos ex-delegado de polícia e ex-Ajudante de Ordem do ex-governador Guiomard),  passaram a denunciar na Assembleia Legislativa, e posteriormente encaminharam cópias das denúncias ao general Orlando Geisel, chefe da Casa Militar da ditadura, dando conta de que o executivo acreano  estaria implantando o “bolchevismo” no estado, mandando, inclusive, destruir propriedades dos adversários, como lojas e armazéns, nos municípios, como Cruzeiro do Sul e  danificando outras benfeitorias.

Com a instalação do golpe militar no Brasil, o PTB acreano começara a dar sinais de sensível fragmentação, notando-se, inclusive, o afastamento de um ou outro deputado estadual às reuniões com o governador, mesmo porque havia militar, que sentira-se  literalmente entre a cruz e a espada.

O governador JOSÉ AUGUSTO era uma criatura admirável, em todos os aspectos, dotado de atitudes comedidas, cautelosas e, sobretudo, honestas.

Em Brasília, o general Orlando Geisel, ao receber as cópias das denúncias, remeteu-as ao próprio governador JOSÉ AUGUSTO e também ao recém-chegado comandante da 4ª CIA. DE FRONTEIRAS.

Em telegramas ao citado general e ao Comandante da 8ª Região Militar, o governador JOSÉ AUGUSTO defendera-se, informando acerca de seu conhecimento das acusações, reafirmara o conteúdo de  seu plano de governo e negara, logicamente, sua filiação ao partido comunista, assim como descartara  a informação de vandalismo e destruição  de propriedades, ressaltando tratar-se de intrigas e  perseguição política.

O Comandante da 4ª Cia. De Fronteiras, na primeira semana de maio de 1964, chegara a ir, diariamente, repetidas vezes, ao palácio do governo, inteirar-se da posição do governador.

Quando, por intermédio de um amigo, tomou conhecimento de que seu superior, com quem não mantinha bom relacionamento, coronel José Alípio de Carvalho, comandante do Grupamento de Elementos de Fronteiras (GEF), sediado em Manaus, estaria disposto a ir ao Acre, apossar-se do governo, o comandante da 4ª Cia. passara a exigir a renúncia do governador JOSÉ AUGUSTO e a imediata eleição, pela Assembleia Legislativa, de um substituto.

Pouco depois das vinte horas do dia 8 de maio de 1964, uma sexta-feira, o governador JOSÉ AUGUSTO convocara, ao palácio do governo, o comparecimento dos seus funcionários diretos e, sem outras palavras, autorizara  ao oficial de gabinete redigir a sua renúncia.

A seguir, pálido e passivo, porém com equilíbrio, harmonia e serenidade, na presença dos deputados José Akel Fares, Presidente da Assembleia Legislativa, Nabor Teles da Rocha Junior, Francisco Taumaturgo, Adonay Barbosa dos Santos, Gerardo Roque de Farias, Geraldo Fleming, do empresário Carlos Abrantes e de todos os secretários de Estado, além do comandante da 4ª Cia. de Fronteiras, o governador JOSÉ AUGUSTO, assinara o termo de renúncia e a exoneração de todo o secretariado.

Teve apenas um sábado para preparar sua mudança para o Rio de Janeiro, e, na manhã seguinte, um segundo domingo de maio, dia 10, Dia das Mães, o primeiro governador eleito do estado do Acre, JOSÉ AUGUSTO DE ARAÚJO, despedira-se de sua mãe, dona Nair, de seus irmãos, de alguns amigos e embarcara no avião do governo acreano, denominado DIM ARAÚJO (seu falecido pai), sob o comando dos pilotos Nelson e Diniz, com destino ao seu domicilio particular.

Ao pousar em Porto Velho, para abastecimento do Curtis Comander, o então ex-governador JOSÉ AUGUSTO fora surpreendido com a ordem de prisão pronunciada pelo Cel. José Alípio de Carvalho, Comandante do GEF, que em um BeachKraef da FAB estaria seguindo para Rio Branco, na sofreguidão de apossar-se do governo do Acre, o que, logicamente não viera acontecer, em vista da rapidez de seu subordinado,  comandante da 4ª Cia. de Fronteiras, Cap. Edgard Pedreira de Cerqueira Filho.
A ordem de prisão ao ex-governador JOSÉ AUGUSTO, fora enérgica e veementemente repelida pelo comandante Nelson, oficial licenciado da FAB, que considerara-se responsável, jurídica e militarmente, pelo aprisionamento e guarda da pessoa que estaria transportando  em caráter especial.

Fora uma contribuição do comandante Nelson, no intuito de diminuir um pouquinho que fosse, a amargura desta triste história, que infelizmente ainda prolongar-se-ia, injustamente, por mais sete anos, até 3 de abril de 1971, para perenizar-se, principalmente, na triste memória de muitas pessoas que conviveram com este importante e  eminente acreano.


> José Augusto de Castro e Costa é cronista e autor de Brasileiro Por Opção (CEUMA, 2013). É acreano de Rio Branco, e reside em Brasília.
Leia aqui outros textos de José Augusto de Castro e Costa.

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