Humberto de Campos (1886-1934)
Viver só! Morrer só!... Na selva desta vida,
Doida árvore do Mal, sem que o orvalho me
inunde,
Darei flor, mas, debalde outra árvore florida
Pedirá, junto a mim, pólen com que fecunde.
Levarei, pela Terra, esta vida de opróbrio.
No intenso batalhar da batalha em que luto,
Passarei, forte e só, de prazer sempre
sóbrio,
Levando a maldição da figueira sem fruto!
Este sangue, que é meu, e carrego nas veias,
E foi, no mundo hostil, causa de mágoas
tantas,
Jamais há de correr nas artérias alheias,
Que hei de, todo, deixá-lo às artérias das
plantas.
Na Terra hei de passar sonhando e batalhando.
A ambição de procriar não me fere e consome.
Sentirei meu prazer se os homens virem dando
Os vermes no meu corpo e o olvido no meu
nome.
Não fecundar! Morrer, sem deixar neste mundo,
Por vingança de mau, numa existência breve,
Uma prova, sequer, do meu gesto fecundo,
E um rebento qualquer onde a Angústia se
ceve!
Qual o deus imortal que, a obrigar-me que
adore
Sua obra, seu poder, seus éditos, influa
Para que eu, forte e deus, me ajoelhe e
colabora
Na obediência da lei que a espécie perpetua?
Se Jesus, meu irmão, rola plácida e boa,
Estrela sem igual na doçura do brilho,
Jamais tentou procriar, por que é que
amaldiçoa
O ventre da Mulher que não teve um só filho?
Que morram, pois, comigo, a minh’alma e o meu
sangue;
Que a humana forma em mim se conclua e se
extinga.
Sou humano, bem sei: e eis-me vencido e
exangue;
Mas, devia ser
deus... É assim que um deus se vinga!...
CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.279-280
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