quarta-feira, 30 de julho de 2014

FICAM-ME AS PENAS

Cassiano Ricardo (1895-1974)


O pássaro fugiu, ficam-me as penas
da sua asa, nas mãos desencantadas.
Mas, que é a vida, afinal? Um voo, apenas.
Uma lembrança e outros pequenos nadas.

Passou o vento mau, entre açucenas,
deixou-me só corolas arrancadas...
Despedem-se de mim glórias terrenas.
Fica-me aos pés a poeira das estradas.

A água correu veloz, fica-me a espuma.
Só o tempo não me deixa coisa alguma
até que da própria alma me despoje!

Desfolhados os últimos segredos,
quero agarrar a vida, que me foge,
vão-se-me as horas pelos vãos dos dedos.


RICARDO, Cassiano. Melhores Poemas. Seleção Luiza Franco Moreira. São Paulo: Global, 2003. p.77

terça-feira, 29 de julho de 2014

IMAGENS ÍNDIOS ISOLADOS - 1º contato no Acre

Isaac Melo


Não venha, oh índio
buscar refúgio em nossa civilização
nós é que invejamos o teu refúgio
e olhamos para ti, estupefatos,
porque há muito nos perdemos
e olhamos para vós com nostalgia
por aquilo que nunca fomos
e jamais seremos
e, no entanto, somos
não tens a perfeição
tens a pureza bruta, selvagem
cinco graus acima
de nossa melhor imagem
não és mais digno
nem menos digno
tu levas a missão de resistir
não com armas, políticas e filosofias
resistes existindo
e existindo provas a verdadeira
imbecilidade de nossa civilização
erguida sobre a ebriez da razão
cujos representantes são grandes
e barulhentos, mas vazios
como o vão de uma sapopemba a outra
a humanidade ora resiste
porque tu existe

acenderam-se a luzes da civilização
e o último homem foi embora...


Veja aqui a reportagem completa no Blog do Altino

segunda-feira, 28 de julho de 2014

NÃO HÁ OUTRO CAMINHO

Isaac Melo


aos deuses e diabos
peço perdão
o pecado mortal é ainda
a educação

domingo, 27 de julho de 2014

TRIBUTO A SUASSUNA

Isaac Melo


a vida
tem dessas coisas
ora esconde  o sol
ora  traz   a  bruma
agora
procriam       os      coelho’s
escasseiam os suassuna’s

quinta-feira, 24 de julho de 2014

ARIANO SUASSUNA: AULA-ESPETÁCULO

Uma das fascinantes aulas-espetáculos do mestre Ariano Suassuna.

ARIANO SUASSUNA, O CAVALEIRO DA CULTURA BRASILEIRA

Morreu um dos últimos brasileiros, que viveu e dedicou-se a seu país e sua gente! A melhor maneira de homenageá-lo é conhecer a sua obra. Obrigado, Ariano. O nosso coração se entristece, mas está engrandecido e agradecido pela generosidade humana de tua pena, fruto de um homem coerente com seus ideais. OBRIGADO!!!

quarta-feira, 23 de julho de 2014

FILÓSOFOS METAFÍSICOS E FILÓSOFOS PÓS-METAFÍSICOS

Inês Lacerda Araújo


A filosofia nasceu com filósofos metafísicos, como os gregos clássicos. A busca desses filósofos, principalmente Platão e Aristóteles, se dirigiu aos princípios primeiros de todas as coisas, às causas iniciais e às causas finais, quer dizer, a que se destinam os seres, quais são suas características essenciais, as propriedades principais que conduzem tudo o que existe a certo fim. Assim, o ser humano para Aristóteles, por exemplo, dirige sua conduta por valores éticos e políticos de realização plena. Como? Por meio do equilíbrio, da justa medida em termos éticos, individuais, e como cidadão na polis.

Até Kant, a filosofia com raras exceções, entre elas os filósofos céticos (Hume é um deles), pautou-se pela indagação "o que é o ser em geral?" e deu a essa indagação uma resposta com pretensão a ser a verdade final. Tomemos Descartes: o ser é o cognoscível, Deus inclusive, é nossa inteligência que conclui sobre a existência de um ser perfeito, e, sendo perfeito, logicamente deve existir. A razão passou a comandar a metafísica.

Kant desbancou a metafísica desse altar da razão, não há como saber se nosso conhecimento chega até os seres neles mesmos, isto é, independentemente do conhecedor. Nosso conhecimento depende de processos e procedimentos (as categorias), sem eles impossível saber algo do mundo que nos cerca.

Os ideais Deus, destino final da alma, e a razão de ser do mundo, questões essencialmente metafísicas, recebem resposta moral. No recôndito da alma humana há uma relação do homem consigo mesmo permeada pela consciência do dever moral. Kant eleva o homem à dignidade máxima, à liberdade máxima que permite decidir desapegadamente, a única e nobre finalidade é a realização de ações que refletem o que é bom para todos igualmente.

Pois bem, os filósofos pós-metafísicos vão em outra direção.

Nietzsche desmonta o edifício moral kantiano, o imperativo categórico manda que se obedeça a sistemas morais, o que não passa de uma tirania; não há sequer porque considerar o ser em si, pressuposto dos metafísicos. "O que chamamos de mundo é o resultado de uma multidão de erros", e "a coisa em si digna de um riso homérico, ... vazia, vazia de sentido". Isso porque noções como as de ser, causa final, bem supremo, noções morais, estéticas, religiosas são todas obra do intelecto humano, da ação humana, e cabe ao filósofo fazer a história da proveniência desses valores, todos eles humanos.

No século passado a filosofia se viu diante de novas questões, como a lógica da ciência para o positivismo lógico, questões sociais e políticas, a pergunta sobre a liberdade e sobre a existência que se "historicizou", por assim dizer. As perguntas que mais interessam à filosofia dizem respeito à compreensão do que fazemos, de nossa história, das transformações que sofremos, e do que podemos almejar com as condições criadas por nós. Antes, no século 19, Marx considerou que essas condições são as da produção material, transformações econômicas respondem à questão "o que somos, de onde viemos e para onde vamos?".

Ainda na vertente da filosofia alemã, a escola de Frankfurt atualizou o pensamento da esquerda e foi além da proposta de uma revolução que devolvesse os meios de produção ao trabalho e não ao capital.

Habermas reafirmou seu pertencimento à filosofia pós-metafísica. Para ele, sem a linguagem, sem a comunicação não há ordem social, o pensamento depende da linguagem, e a crise com a questão do ser em si (qual é a essência fundamental de todas as coisas), é recolocada: trata-se de um jogo de linguagem. Ou, mais precisamente, um ato de fala, uma pergunta feita por filósofos interessados na origem de tudo.

Então, tudo se enraíza na linguagem? Sim, mas evidentemente o mundo não é feito de linguagem e sim de coisas e suas interações. E como pensaríamos a respeito disso tudo sem a linguagem? Impossível para a filosofia pós-metafísica.

AS TRÊS COROAS

Guilherme de Almeida (1890-1969)

[...] o seu dono era rei e era santo [...]
Álvaro Moreyra


Na sala do museu,
as três coroas conversavam. Uma,
a que era de ouro, disse às outras: – “Eu
fui de um rei. E curvei meu rei como uma pluma
ao peso bom das minhas joias tutelares.
Tive um reino a meus pés, com soldados e teares,
e torres brancas e altas como luas,
e searas mais maduras,
mais loiras do que o sol, e navios enormes
como os templos de Deus e os palácios dos homens...
Fui tudo: rica, poderosa, bela...
Tive um rei a meus pés e um céu sobre nós dois...
Depois,
Pesei demais para a cabeça velha
do meu rei – e Caí.
E puseram-me aqui!”

A segunda coroa,
a de louros, falou: – “Eu nasci na Grécia.
Eu fui o gesto verde que abençoa!
E, inatingível como uma promessa,
gesticulei na ponta
viva do meu loureiro,
chamando os poetas e os heróis do mundo inteiro.
Junto a mim, sob a copa alta e redonda,
eles cantaram e lutaram,
estenderam-me os braços – e passaram!
O amor passou também com frautas e com danças.
com uvas nos chavelhos,
ou com rosas nas tranças,
oferecendo a boca e abrindo os joelhos,
ou tatuando na pele do meu tronco
a data de um encontro,
a data de um adeus...
E o amor ergueu também seus braços para os meus!
Nem sei qual foi a mão
que me colheu, porque logo murchei...”

Então,
a terceira coroa, a coroa de espinhos,
disse às outras: – “Eu fui uma urze dos caminhos.
Vivi só, sempre só,
escondendo venenos sob o pó.
Mas, um dia, enrolaram-me à cabeça
de um homem que era branco como um louco,
e belo, e bom como a tristeza,
e puro como o fogo...
E sofrendo, e sofrendo,
ele morreu comigo. Então fiquei sabendo
que eu valia tesouros e tesouros,
mais que as coroas de ouro e as coroas de louros:
– porque eu coroei os reis e os heróis, eu coroei
todos os homens... E ainda não murchei!”


ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso, Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.112-113

sábado, 19 de julho de 2014

AMAZÔNIA: A última fronteira

Documentário interessante. Recomendo!


“Amazônia – A Última Fronteira” dá sequência a uma saga iniciada em 2003 com o filme “Heranças de uma Utopia” (La Ruée Sauvage), documentário realizado por Alexandre Valenti, que aborda os mais importantes empreendimentos na Amazônia do século XX. Um grande sucesso internacional com difusão pela FRANCE 5, ARTE TV e várias televisões estrangeiras, além de uma cobertura de doze páginas no jornal LE MONDE.

Totalmente rodado em Alta Definição (Full HD) e utilizando tecnologia de ponta para capturar registros inéditos dessa região, esse novo documentário aponta suas lentes para uma nova era que se inicia na Amazônia, onde culturas ancestrais convivem, apropriam-se e buscam equilíbrio na convivência com tecnologias e projetos do século 21, estabelecendo um novo paradigma entre a Amazônia do passado e do futuro.

Aspectos políticos, socioeconômicos e humanos nos conduzirão por milhares de quilômetros ao coração da revolução em andamento nessa terra mítica. Empreendimentos como os do Complexo do Madeira (Jirau e Santo Antonio), o SIPAM e seus diversos programas (Nova Cartografia, Terra Legal, PrevFogo etc.), além de iniciativas como o Projeto Juma e o Bolsa Floresta, da Fundação Amazônia Sustentável, serão alguns dos focos desse documentário que apresentará de que forma a Amazônia se prepara para o século 21 e os desafios da Sustentabilidade. 
> Veja mais aqui.

A TEOLOGIA

Charles Baudelaire (1821-1867)


A teologia.
Que é a queda?
Se é a unidade feita dualidade, então foi Deus quem caiu.
Noutras palavras: não seria a criação a queda de Deus?
Michelangelo - Expulsão do Jardim do Éden (Capela Sistina)


BAUDELAIRE, Charles. Meu coração desnudado. Tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p.84

A NOTÍCIA DE HOJE

Cassiano Ricardo (1895-1974)


Mais quinze condenados à morte foram conduzidos em fila
e encostados ao muro,
perante quinze cintilações de baioneta.
E não quiseram que se lhes vendassem os olhos
nem se lhes pintassem o alvo, no peito,
em cima do coração – pobre símbolo.

Que adiantaria serem cegos, à última hora?
Que adiantaria não olhar a cena que mais tarde
os cegos, a quem seus olhos fossem dados,
veriam?

Que adiantaria a rosa ser vermelha, na noite?


RICARDO, Cassiano. Melhores Poemas. Seleção Luiza Franco Moreira. São Paulo: Global, 2003. p.135

quinta-feira, 17 de julho de 2014

MARIA-PELEGO-PRETO

Manoel de Barros


Maria-pelego-preto, moça de 18 anos, era abundante de pelos no pente.
A gente pagava pra ver o fenômeno.
A moça cobria o rosto com um lençol branco e deixava pra fora só o pelego preto que se espalhava quase até pra cima do umbigo.
Era uma romaria chimite!
Na porta o pai entrevado recebendo as entradas...
Um senhor respeitável disse que aquilo era uma indignidade e um desrespeito às instituições da família e da Pátria!
Mas parece que era fome.


BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010. p.22

quarta-feira, 16 de julho de 2014

terça-feira, 15 de julho de 2014

COPA DO MUNDO E NOVAS FLORESTAS

Ecio Rodrigues


A realização da Copa do Mundo de futebol ampliará a contribuição do Brasil para a emissão de carbono na atmosfera. Até há pouco tempo, uma frase como essa não fazia o menor sentido: o fato de um país sediar um grande evento esportivo significava tão somente uma expressiva promoção da dinâmica econômica, o que, por sua vez, importaria em potencial melhora nas condições de vida.

Hoje, entretanto, existe uma crescente preocupação com a crise ecológica acarretada pelo aquecimento do planeta – que é determinado, por seu turno, pelo aumento da concentração de carbono e outros gases causadores do efeito estufa, o que, por conseguinte, traz alterações significativas no clima e, enfim, amplia os riscos de ocorrência de tragédias como alagação, furacões, seca e tsunamis (apenas para ficar nas mais comuns).

Ou seja, sem embargo das melhorias econômicas carreadas por um evento da dimensão da Copa do Mundo, o fato é que a percepção inequívoca de geração de riqueza vem perdendo espaço para uma preocupação cada vez maior, relacionada com a sustentabilidade.

Querendo sair bem na foto, o governo brasileiro tem se esforçado para demonstrar que a realização da Copa não trará prejuízos para a sustentabilidade do planeta. Não obstante, aposta suas fichas em medidas anódinas, como obras de urbanização (incluindo-se até mesmo a construção de hotéis); troca de créditos de carbono entre empresas (algo de finalidade incompreensível); e, ainda, coleta seletiva de lixo. Sempre sob exaltações românticas à natureza que não levam a lugar nenhum e que já não convencem.

Prefere-se esse jogo de cena a investir-se em projetos que de fato promovam a sustentabilidade, mediante ações destinadas a zerar o carbono extra lançado na atmosfera por conta da realização do evento.

De outra banda, embora não se duvide que a forma mais eficiente para retirar o carbono da atmosfera e imobilizá-lo no sistema econômico seja o plantio de florestas, no âmbito dessa questão os ambientalistas discordam sobre os pontos mais elementares – por exemplo, a escolha da respectiva área para a implantação da floresta e das espécies a serem cultivadas.

As zonas periurbanas, onde existam áreas degradadas pela ocupação antrópica desordenada, o que ocorre na maioria das metrópoles com mais de 500 mil habitantes, deveriam ser priorizadas para o plantio de novas formações florestais. Da mesma maneira, regiões deterioradas, localizadas próximas ou na área de influência de bacias hidrográficas.

Quanto às espécies florestais, muitos defendem o cultivo de espécies nativas, por considerar que as exóticas, como eucalipto e pinus, causam impactos no solo, na fauna e na água. Trata-se de um juízo equivocado, e a quantidade significativa de áreas de florestas formadas com essas espécies só demonstra a importância delas.

Diga-se, ademais, que – ainda que mais atraente – o plantio de espécies nativas é também extremamente mais complicado. Essas árvores costumam ser bem mais exigentes quanto ao solo e, o pior, quanto aos cuidados necessários para se estabelecerem, o que aumenta significativamente os custos do plantio.

Outro ponto polêmico diz respeito ao aproveitamento das árvores depois que atingem a maturidade. Florestas não são ociosas, elas prestam serviços cruciais para a sociedade, que podem ser de natureza paisagística ou de fornecimento de alguma matéria-prima, como é o caso da madeira.

De qualquer forma, a despeito das controvérsias, o mais importante é que novas florestas sejam, efetivamente, plantadas. E disso, nenhum governo quer saber.


> Ecio Rodrigues é professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

FOI-SE A COPA?

Carlos Drummond de Andrade


Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

A POESIA DE RENÃ LEITE PONTES

Um pouco da poesia do acreano de “Benjamins” (Senador Guiomard) Renã Leite Pontes, que é um dos exímios poetas acreanos, já com um importante trabalho difundido no Acre e além fronteiras. Além disso, Renã Pontes é membro Vitalício da International Writers end Artists Association – IWA, Toledo, Ohio, USA; membro Honorário do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais – IMBRASCI, RJ; membro Fundador da Academia dos Poetas Acreanos; e professor de Educação Física, no Acre. Conheça a página do poeta CÂNTICOS DO ACRE.


PANO–ARUAQUES
Renã Leite Pontes

                                                    “O amor é um fogo na carne do boi.”
                                                                            Renã Pontes


A esplanada treme
E treme a terra,
A ação da mão enérgica,
Guerreira...

Um movimento brusco,
Freia o corcel negro,
Chacoalha as zarabatanas[1], as flechas,
Os cestus[2] dependurados
E os demais aparatos de guerra.

Ao parar o bravo
Freiam seus exércitos,
Bufam mil cavalos,
Rangem seus arreios
(De couro arredio).
Legiões de guerreiros
Levanta poeira.

No meio das Legiões de Aruaques,
Comitivas da nação Pano,
E outros que aguardavam...
Destaca-se a mais bela:
Lábios de carmim,

Pernas de gazela,
Graça de felina,
A atenta contemplada
de beleza nua,
Tão linda que espalhou morte a mil guerreiros,
Pelo direito aos beijos da madrugada,
Pelo encosto ao pedestal do peito
Da cunhatã que é irmã da lua.

Os olhos do bravo
A nada mais veem
A ninguém mais veem,
Mas, somente a ela,
Tão somente a bela,
Vestida de palhas.

Núbil dama, em tenra idade,
Traz na mão uma flor.
No colo delicado,
O emblema dos valentinianos.
E no coração,
Amor maior
Que o materno...

Sorri tão singela:
Chegou meu amor!
Chegou meu abaçai[3]
Chegou a vitória!

A erva nativa
Que verdura o dia dos enamorados,
De uma a outra ponta
Está
Atapetada de pétalas,
Forradas de flores,
Perfumada do orvalho.

Soam-se os gritos,
- Bufam seus cavalos -,
Ribombam os bumbos,
Prorrompem os instrumentos de sopro
Saudando a vitória,
Dão brilhos da glória,
Louro merecido.

E logo, todas,
Pequenos e velhos,
Mergulham na história
Da paz pela guerra,
Curvando-se aos atributos,
Da filha Naiá[4]
(Norte – na vitória),
Musa inspiradora

Que desfrutou da honra
Mas depois
Na sombra da barriguda
Amou e pariu curumins
Com febre de malária
E marcas de mordidas de taxi
Naqueles dias quentes de inferno,
A maternal figura, já quase banguela
E cega dos olhos,
Cantando a música do ritual do sol
Sentindo a brisa, desta vez tacanha,
Carregada de “polvo” feito aerossóis.
Expirou
De morte triste de mosquito estranho.


ENTALHE AMAZÔNICO
Renã Leite Pontes

Vou entalhar a golpes de martelo,
na tábua de carvalho da esplanada,
o teu “retrato”, em letra esbranquiçada,
no meu poema mais castiço e belo.

E augusto... O luso mais verde-amarelo,
borda fresada e ricamente ornada.
vou esculpi-lo, na ogival chapada,
com arte sem padrão nem paralelo,

Vou definir-te como és, cem por cento;
depois, num transe de arrebatamento,
imaginar te ver sorrindo inteira.

E envernizando o teu nome encravado,
quero, por fim, amor, meu anjo amado,
deixar-te eternizada na madeira.


JUREMA
Renã Leite Pontes

Ao canto do inhambu que não tem dono,
O másculo das botas do abandono,
Forma a poeira.

Num campo sapecado,
Na casa paxiúba de madeira...
Um corpo abandonado:
Tem quem queira!

Do olho ao queixo
As lágrimas formam o Nilo...
Canta o inhambu, chora a Jurema.

O arulhar da ave que resiste,
O sofrer da mulher, pesado e triste,
A prestação, forma o poema.


O MEDO
Renã Leite Pontes

Lá fora, eles,
Na cinética patológica das ruas
Da infeliz cidade,
O medo:

Do roubo, do atraso, da gripe... do medo.

Cá dentro, eu,
Na estática faustosa do claustro
Da infelicidade,
O medo:

Do outro!...


SAUDADE EM VERSOS BRANCOS
Renã Leite Pontes

Sinto de ti saudade tão sentida,
Como se foras o sol da minha vida.
Se bem que foste, mesmo sem ter sido.
Por isso, ao teu lado penso haver vivido.

Provando os méis das mais doces delícias,
Sorvendo as delícias e carícias mais meigas,
Quando ao despertares, despertava-me a alma,
Com mútuos delírios próprios de quem ama.

Lembro-me dos momentos em que te amei, conquanto,
Morro de saudades e só saudades sinto.
E guarda o tempo o que eu ainda sinto tanto.

E sinto tanta falta que às vezes me espanto,
Pois vejo na rua, noutra mulher, teu gesto.
Às vezes vejo alguém e penso ver teu rosto.


[1] Pequena arma indígena, utilizada, inclusive, na América do Sul, que consiste em um tubo originalmente de madeira (caule oco), pelo qual eram soprados pequenos dardos, piluns, ou setas (projéteis). De fácil confecção e manuseio, foi utilizada por diversas tribos, em situações de ataque estratégico e caça. Os dardos embebidos em resina vegetal venenosa ou veneno animal – de acordo com o conhecimento da floresta – geralmente desencadeavam a morte ou paralisia da vítima (N. do A.)
[2] O cestus indígena consistia em uma luva de batalha, geralmente utilizada para proteger os punhos dos guerreiros indígenas antigos. Quando incrustada de ossos, bicos de aves, dentes de animais ou outros componentes da floresta, manifestava sua versão mais letal (N. do A.).
[3] Na linguagem tupi significa: homem de respeito ou principal guerreiro (N. do A.).
[4] Personagem da mitologia indígena: a Lenda da Vitória-Régia.