Arthur Schopenhauer (1788-1860)
Antes de tudo, há dois tipos de escritor: os
que escrevem por amor do assunto e os que escrevem por escrever. Aqueles que
tiveram ideias ou fizeram experiências que lhe parecem dignas de ser
comunicadas; estes precisam de dinheiro, e por isso escrevem, por dinheiro.
Pensam com o propósito de escrever. Podem ser reconhecidos pela sua tendência a
prolongar ao máximo seus pensamentos e a expô-los com meias-verdades,
obliquidade, de maneira forçada e oscilante, em geral também por seu amor pelo
claro-escuro, a fim de parecer o que não são; por tal razão, faltam precisão e
clareza completa ao seu texto. Sendo assim, pode-se logo notar que escrevem
para preencher papel; às vezes isso transparece em nossos melhores escritores:
por exemplo, em algumas passagens da Dramaturgia
de Lessing e até mesmo em alguns romances de Jean Paul. Tão logo o percebemos,
devemos nos desfazer do livro, pois o tempo é precioso. No fundo, porém, o
autor ilude o leitor quando escreve para preencher o papel, pois a alegação de
sua escrita é ter algo a comunicar. Os honorários e a proibição da reprodução
são, na verdade, a deterioração da literatura. Só quem é movido exclusivamente
pela causa que lhe interessa escreve o que é digno de ser escrito. Que ganho
inestimável haveria se em todas as áreas de uma literatura existissem apenas
poucos, mas primorosos livros. Entretanto, nunca se chegará a esse ponto
enquanto houver honorários a lucrar. É como se tivesse caído uma maldição sobre
o dinheiro: todo escritor torna-se ruim assim que começa a escrever com o
objetivo de lucro. As obras mais primorosas dos grandes homens são todas da
época em que eles ainda tinham de escrever de graça ou por honorários muito
reduzidos. Portanto, confirma-se aqui o provérbio espanhol: honra y provecho no caben en un saco
(“honra e dinheiro não cabem no mesmo saco”). O estado deplorável da literatura
hodierna, na Alemanha e no exterior, tem na sua raiz o fato de se ganhar
dinheiro escrevendo livros. Todo aquele que precisa de dinheiro senta-se à
escrivaninha e põe-se a escrever um livro, e o público é suficientemente tolo
para comprá-lo. A consequência secundária disso é a deterioração da língua.
Uma grande quantidade de escritores ruins
vive tão-somente da tolice do público, que não quer ler nada além do que foi
impresso no mesmo dia: são os jornalistas. O nome já diz tudo! Em alemão
dever-se-ia dizer “diarista”*.
SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o ofício do
escritor. Tradução (italiano) Eduardo Brandão, (alemão) Luiz Sérgio Repa. São
Paulo: Martins Fontes, 2005. p.3-5
_____________
*O
que caracteriza os grandes escritores
(no gênero mais elevado), bem como os artistas, e, portanto, é um traço comum a
todos eles, é o fato de levarem a sério o
que fazem: todos os outros só se preocupam com as vantagens e o lucro.
Se
alguém alcança a glória por meio de um livro qualquer, escrito a partir de uma
vocação ou por impulso interno, mas logo depois torna-se um polígrafo, vende sua glória por dinheiro vil.
Quando se escreve só para ter o que fazer, nada dá certo.
Só
neste século há escritores por profissão.
Até então houve escritores por vocação.
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