Guilherme de Almeida (1890-1969)
A rua que eu imagino, desde menino, para o
meu destino pequenino
é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,
direita, estreita, bem feita, perfeita,
com pregões matinais de jornais, aventais nos
portais, animais e varais nos quintais;
e acácias paralelas, todas elas belas,
singelas, amarelas,
douradas, descabeladas, debruçadas como
namoradas para as calçadas;
e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de
aço baço e lasso;
e algum piano provinciano, quotidiano,
desumano,
mas brando e brando, soltando, de vez em
quando,
na luz rara de opala de uma sala uma escala
clara que embala;
e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das
crianças do arrabalde;
e de noite, no ócio capadócio,
junto aos lampiões espiões, os bordões dos
violões;
e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata
que mata...);
e depois o silêncio, o denso, o intenso, o
imenso silêncio...
A rua que eu imagino, desde menino, para o
meu destino pequenino
é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer
uma mulher que bem me quer;
é uma rua, como todas as ruas, com suas duas
calças nuas,
correndo paralelamente, como a sorte
diferente de toda gente, para a frente,
para o infinito; mas uma rua que tem escrito
um nome bonito, bendito, que sempre repito
e que rima com mocidade, liberdade,
tranquilidade: RUA DA FELICIDADE...
ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso,
Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.196-197
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