domingo, 19 de outubro de 2014

“CRUZ DO MEU PENSAR”

Fernando Pessoa (1888-1935)


Mundo, confranges-me por existir.
Tenho-te horror porque te sinto ser
E compreendo que te sinto ser
Até às fezes da compreensão.
Bebi a taça [...] do pensamento
Até o fim; reconheci-a pois
Vazia, e achei horror. Mas eu bebi-a.
Raciocinei até achar verdade,
Achei-a e não a entendo. Já se esvai
Neste desejo de compreensão,
Inalteravelmente,
Neste lidar com seres e absolutos,
O que em mim, por sentir, me liga à vida
E pelo pensamento me faz homem.
...................................................................
...................................................................
...............................E neste orgulho certo
Fechado mais ainda e alheado
Me vou, do limitado e relativo
Mundo em que arrasto a cruz do meu pensar.


PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p.454

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