quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

JUVENAL ANTUNES: o “Príncipe dos Poetas Acreanos”

Fotografia: Patrimônio Histórico
Juvenal Antunes de Oliveira nasceu no engenho Oiteiro em Ceará-Mirim, município do Rio Grande do Norte, em 29 de abril de 1883. Faleceu em Manaus de regresso à sua terra em 29 de abril de 1941.

Publicou dois livros: CISMAS (1909) e ACREANAS (1922) em Rio Branco (AC), onde foi eleito e aplaudido o “Príncipe dos Poetas Acreanos”.

Estudou, em Recife, no Colégio Parthenon e, em Natal, no Atheneu Norte-Rio-Grandense. Ingressou na Faculdade de Direito de Recife (PE), colando grau em 15 de dezembro de 1912.

Assumiu diversos cargos: Promotor Público no Acre; Secretário do Dr. Carlistrato Carrilho na Secretaria de Saúde Pública do Acre; Delegado de Polícia no Acre em 1913; serviu na Promotoria Pública de São Paulo do Icó em 1914 e, depois, em Nova Olinda; em 1929, foi Promotor Público em Rio Branco (AC). Foi ainda sócio-fundador da Academia Acreana de Letras, onde tem o seu nome como um dos patronos.
Foto: arquivo pessoal de Lúcia Helena Pereira
Estátua de Juvenal Antunes em frente à Fundação Elias Mansour, em Rio Branco (AC).







COMO SÃO TEUS OLHOS, LAURA?
Juvenal Antunes
Acre/1940


Olhos negros, macios e clementes,
Luminosos, fatais, fosforescentes!

Olhos de febre, exaltação, delírio,
Olhos que são o meu primeiro ardor e meu mistério!

E eu que não preveni esses abrolhos
E me despedacei contra os teus olhos!

Olhos que a estes meus olhos abençoam
E os meus pecados mais mortais perdoam!

Olhos de quem absolve e de quem pune
De quem a compaixão ao ódio une!

Olhos de quem suplica e de quem manda,
Ante os quais minha vida anda e desanda!

Olhos de Aspázias, olhos de Lucrécias,
De Romas novas e de novas Grécias!

Olhos magoados, olhos merencórios,
Olhos que abrandam corações marcados!

Faze, querida Laura, como os cisnes...
As asas da tu’alma nunca tisnes!

Teu corpo, Laura, tem o sabor das uvas
E o gosto d’água das primeiras chuvas!

Teus olhos! Que diria desses dois globos
Que ora cordeiros são, ora são lobos?
E parecendo delinquentes
São dois cândidos olhos inocentes?

Olhos egípcios, núbios, africanos,
Fontes de enganos e desenganos!

O Criador não tem mais o que caprichar
Depois que fez teus olhos do azeviche brilhar!

Olhos de Messalinas e devotas,
Olhos cosmopolitas, poliglotas!

Quanto poder, quanto domínio encerra
Esse olhar de mulher por sobre a terra!

Olhos que dizem sim e dizem não,
Olhos de salvação e perdição!

Ando em constante dúvida metido
Pois não sei se estou salvo ou estou perdido!

Olhos que têm as erupções vulcânicas
E o alto poder das tentações satânicas!

Olhos, mau grado meu, adultérios,
Que eu bem quisera puros, cristalinos!

O festim se fez meu inimigo
Por que razão eu não casei contigo?

Olhos de minha mãe junto ao meu berço,
Olhos de minha mãe rezando o terço!

Mas, mesmo assim, olhos ambicionados
Pelos meus olhos sempre procurados!


ELOGIO DA PREGUIÇA
Juvenal Antunes


Bendita sejas tu, preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada.
Mas, queiras tu, preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.
Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Está na Bíblia esta doutrina sã:
Não te importes com o dia de amanhã.
Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Ó sábios! Dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento.
Todo trabalho humano em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!.
Dos tratados, e leis, ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões.
Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas.
Cresce o teu filho; É belo, é forte, é loiro.
Mais uma rês votada ao matadouro,
Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz,
Que arda depressa a colossal fogueira
E morra, assada, a humanidade inteira.
Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar fosse indolente?
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?
Queres riquezas, glórias e poder...
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz, o mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,
Ou seus antepassados que, selvagens,
comiam livremente nas pastagens?
Do Trabalho, por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas.
Talvez o sejam mais, vivendo em farras,
As preguiçosas, pálidas cigarras!
Ó LAURA! Tu te queixas que eu, fascista,
Ontem faltei à hora da entrevista,
E que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor por outro amor.
Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.
Que me não faças mais essa injustiça!
Se ontem, não fui te ver, foi por preguiça.
Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar...


VULCÃO
Juvenal Antunes


Quem te conhece assim, simples, modesta,
De olhos baixos, discreta e recolhida,
Com esse cândido porte, que te empresta
Um ar de melancolia compungida.

E ouve-te a voz tão sussurrante e mesta,
Como uma doce nota sustenida,
Fica a pensar que alguma dor te infesta,
Que alguma mágoa te consome a vida.

Toda a gente, entretanto, anda enganada;
És, entre as mil mulheres que eu conheço,
A mais ardente, a mais apaixonada...

Semelhas o vulcão, perfeitamente:
Por fora, pedra, argila, areia, gesso;
Por dentro, fogo, lava incandescente!


FASCINAÇÃO
Juvenal Antunes
Ceará-Mirim/1920

(à Laura)


És paro o mundo a pérfida, a perdida,
Degradada no vício e no pecado.
Para mim és um anjo, imaculado,
Que eu nunca deixei de amar na vida!

Para os outros a esfinge incompreendida
De lábios mudos e de olhar gelado.
Para mim és mistério decifrado
Pela minha paixão esclarecida!

Maltratas-me, atraiçoas-me, espedaças
O coração que é teu com tal extremo...
Mas... não posso viver sem tuas graças!

Perdoo todo o mal que me fizeres,
Pois, tudo se reduz ao bem supremo
De te amar sobre todas as mulheres.


ANTUNES, Juvenal. Breve coletânea de Juvenal Antunes: que elogiava a preguiça, era poeta, boêmio, irreverente, norte-rio-grandense e... amava Laura. Compilação, seleção e organização Lúcia Helena Pereira. Natal: Central de Cópias, 1998. p.35-37, 38-39, 71, 93

> Recomendo também o belíssimo trabalho acadêmico VEREDAS POÉTICAS DE JUVENAL ANTUNES de RAUANA ALBUQUERQUE acerca da obra do poeta.

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