Inês Lacerda Araújo
Chama-se “Leçons sur la Volonté de Savoir”, “Lições
sobre a Vontade de Saber”, o curso que começou no dia 09 de dezembro de 1970 e
foi até 17 de março de 1971, publicado em 2011 pela Seuil/Gallimard, que eu
saiba ainda sem tradução.
Nele Foucault lança as questões que o
ocuparam em suas investigações históricas sobre a loucura, a prisão, a
sexualidade (sim, ele já estava preocupado com estas últimas bem antes de
publicar “Vigiar e Punir” e “História da Sexualidade, Vontade de Saber”,
note-se que a noção de vontade de saber é o tema do curso de 1971).
A própria filosofia não lhe fornece
instrumento teórico para analisar a vontade de saber, os filósofos, e ele
inicia com a metafísica de Aristóteles, sempre se voltaram para o conhecimento,
visto como natural, faz parte da natureza humana desejar conhecer, indo da
sensação até o conhecimento das causas gerais do cosmo e dos seres. Exceções
são Spinoza e, principalmente, Nietzsche. Para este a vontade é o elemento
decisivo na busca da verdade, a verdade e o erro, juntamente com o desejo, as
lutas, as discórdias, são parte da vida, não pertencem ao conhecimento, nem
requerem a unidade de um sujeito pensante e soberano como é o caso dos
filósofos de Platão, passando por Descartes, até a fenomenologia no século 20.
Importante a distinção de Foucault entre saber
e conhecimento, este sendo “o sistema que permite dar uma unidade prévia, um
pertencimento recíproco e uma conaturalidade ao desejo e ao saber”, e “chamaremos
saber o que se deve arrancar na exterioridade do conhecimento para nele
encontrar o objeto de um querer, o fim de um desejo, o instrumento de uma
dominação, o local de uma luta”.
Assim, “Arqueologia do Saber” liga-se ao
primeiro curso, que se liga às questões centrais do seu pensamento: como o
discurso com pretensão científica (o da medicina, da psiquiatria, da patologia,
da sociologia) se insere no sistema penal, que de prescritivo passa a ser
investido por uma vontade de verdade. E essa vontade de verdade opera a
distinção loucura/desrazão, possui raízes históricas, sua arbitrariedade e
modificações em uma série de redes institucionais, isso tudo forma um sistema
que influencia outros discursos e outras práticas.
Há relações de dominação engajadas na vontade
de verdade, conhecimento surge dessa necessidade, e também saberes, disciplinas
e acontecimentos. Como a epistemologia não fornece os instrumentos para essa
análise, nem a história da ciência, Foucault os buscou na vontade de saber e
suas relações com as formas de conhecimento, em termos teóricos e históricos,
com a crucial pergunta de se a vontade de saber dispensa um sujeito fundador ou
se ela o reintroduz.
Original e difícil esse caminho, não é o da
história do pensamento, nem o da história da cultura, pois estes não chegam a
suspeitar de que na história das sociedades, a vontade de saber se articula com
processos de luta, violência e dominação. Ao invés de submeter desejo e vontade
ao conhecimento, mostrar que no surgimento do conhecimento há desejo, há
vontade, que não têm nada a ver com conhecimento, mas com luta, instintos,
paixões.
(a ser continuado)
* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Atualmente autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento.
* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Atualmente autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento.
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