Daniel Perroni Ratto
A paisagem equatorial das melodias
Descordantes irradia um desejo pelos amores não correspondidos, cantados nas
trovas de outrora. Como catalisadores das dores, das desilusões, de um
admirável mundo novo, nas fronteiras amazônicas do Acre, “Espera a Chuva
Passar”, esses seres bucólicos trazem ventos independentes de talento e
esperança.
Desde o início daquela região do Brasil, têm
o povo, ares revolucionários. Pensamento original. Seringueiros proclamaram o
Estado Independente do Acre em 1903, todavia, logo em seguida, foi incorporado
ao país. Sempre ouvi as estórias de João Donato, em seu primeiro acordeão, em
suas músicas ou de Jorge Cardoso. Tive um longo passeio por umas porongas
flamejantes de rock and roll.
Senti todas essas influências e tantas
outras, no brega rock deste álbum descordante. Senti minhas próprias dores, tal
que, fui buscar no subconsciente, reminiscências imagéticas das fraturas do meu
coração. Eis que fui.
Lembro de estar apaixonado nas praias de São
Vicente, surfando as ondas imaginárias do amor. A briga era inevitável assim
como Reginaldo Rossi no boteco do desalento. Desesperado, nadando em copos de
cachaça, pensava que poderia ser tudo diferente. Quando a chuva caiu, avisei
que ela tinha “Três Dias” pra voltar. Fiquei na melancolia.
Teclados psicodélicos surgiram “Hoje De
Manhã”, escutei uma voz pernambucana dizendo que tudo iria mudar no café da
manhã. Levantei vagarosamente, estiquei os braços até a janela do quarto. Vi o
oceano da saudade. O telefone tocou e ouvi que nada era verdade. Guitarras
choravam a dor do mundo. Abri a porta e parti.
Na retórica dos planos perfeitos, “Eu Sei Que
Não Sou O Que Você Espera De Uma História De Amor”, mas permita que o Sol nasça
de novo. Deixe que esse tempo distante nos leve para mais perto de nós. Neste
instante, mesmo aqui, no Acre, eu acredito. Só não sei o que se passa na sua
cabeça.
Viajando pelo sertão cearense, em estradas
desertas, solitárias, vejo carnaúbas e gaviões. Só consigo pensar que,
“Enquanto Puder”, estarei ao seu lado. Não me importa quantas dificuldades se
apresentem, cuidarei do seu vício.
Olha lá, já não estou mais aqui. Dali, fui à
Copacabana. Tem samba rolando. Meu “Amigo Amarelo” desceu mais um chopp. Tem
rock rolando. George Naylor nas baquetas, Diego Torres cantando e tocando
violão, Marxson Henrique nos teclados psicodelicamente romantizados e Saulo
Melo no contrabaixo são Os Descordantes! O sol é forte e o Cristo Redentor abre
os braços, cheio de alegria e suingue. Ondas perfeitas quebram no Arpoador. Fui
parar no Jobi.
“A Hombridade” que me toma, forçou uma
esticada para aquele conhecido cabaré de luzes vermelhas, com muitas mesas,
dois gatos pingados, a pinga na garrafa e o velho seresteiro com seu teclado a
tocar Odair José. Vejo você em todas as belas. Não viva uma vida de mentiras,
só espero que me digas o que fazer. Bebo a última dose, quero rock, quero “Sair
Daqui”. Desencanei, meu bem, não sei o que dizer esperando você voltar.
Em calmas corredeiras do destino a
“Descrença” aumenta. Saio do trabalho a caminhar pelos labirintos da babilônia
futurista. Questiono as dialéticas, as ideologias, o amor. Deixo de fora o
sujeito da discórdia. Dos meus chifres. Este é assunto intrínseco. Lá em
Santos, vi “O Porto e o Rio” tantas vezes como te vi. Mas você se foi.
Sinto muito se não deu, “Não Me Leve A Mal”,
também estou triste, tentamos. Saudade. A vida é mesmo assim. Um assobio que
traz novas possibilidades, novas estórias, quem sabe, fazer história. Um passo
para frente. Futuro. Não foi falta de amor, só gosto de ficar sozinho. Penso
que não seja “Nada Demais” nos mares dos relacionamentos. Lembro de estar
apaixonado nas praias de São Vicente…
Daniel Perroni Ratto é poeta, músico,
jornalista e professor. É autor de livros como “Urbanas Poesias'' (Editora
Fiúza, 2000), “Marte mora em São Paulo'' (A Girafa, 2012) e “Marmotas, amores e
dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014).
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