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William Adolphe Bouguereau (1825-1905) L'Amour et Psych (1899) |
EXPANSÕES
Paul Géraldy (1885-1983)
Eu gosto, gosto de você!
Compreende? Eu tenho por você uma doidice...
Falo, falo, nem sei o quê,
mas gosto, gosto de você
Você ouviu bem isso que eu disse?...
Você ri? Eu pareço um louco?
Mas que fazer para explicar isso direito,
para que você sinta?... O que eu digo é tão oco!
Eu procuro, procuro um jeito...
Não é exato que o beijo só pode bastar.
Qualquer coisa que me afoga, entre soluços e
ais.
É preciso exprimir, traduzir, explicar...
Ninguém sente senão o que soube falar.
Vive-se de palavras, nada mais.
Mas é preciso que eu consiga
essas palavras, e que eu diga,
e você saiba... Mas, o quê?
Se eu soubesse falar como um poeta que sente,
– diga! – diria eu mais do que
quando tomo entre as mãos essa cabeça linda
e cem, mil vezes, loucamente,
digo e repito e torno a repetir ainda:
Você! Você! Você! Você!...
MEDITAÇÃO
Paul Géraldy (1885-1983)
A gente começa a amar
por simples curiosidade,
por ter lido num olhar
certa possibilidade.
E como, no fundo, a gente
se quer muito bem,
ama quem a ama, somente
pelo gosto igual que tem.
Depois, a gente começa
a repartir dor por dor.
E se habitua depressa
a trocar frases de amor.
E, sem pensar, vai falando
de novo as que já falou...
E então, continua amando
só porque já começou.
GÉRALDY, Paul. Eu e você. Tradução Guilherme
de Almeida. São Paulo: Editora Nacional, 1983. (18.a edição) p.16-17,
92-93
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Na Cama (In Bed The Kiss, 1892) de Henri De Toulouse-Lautrec |
“CANTIQUE D’AMOUR”
Guilherme de Almeida (1890-1969)
Amo pela alegria infinita de amar:
pela promessa de felicidade
que há de sempre florir no teu sorriso, que
há de
eternamente arder no teu olhar...
Amo pela alegria
luminosa do amor: do amor que é como um sol
para o qual eu me volto todo, cada dia,
hipnotizado como um girassol...
Amo – e este amor
é toda a esplêndida, a única alegria
da minha vida...
E se
algum dia
tu me vires chorando, partido de dor,
como uma pobre coisa desgraçada,
como uma triste flor esmigalhada
entre os teus dedos, meu amor,
não enxugues meu pranto! Ri! Ri teu sorriso
de ouro! Sacode tua vida como um guizo
sobre a minha!
E,
depois, deixa-me só, pensando
que é de alegria que eu estou chorando!
O PASSEIO
Guilherme de Almeida (1890-1969)
Nós fomos, de manhã, pelos campos sadios.
Dos telhados vermelhos, fumos quase retos
subiam, como fios
do novelo da vida...
Ela ia
toda ao vento,
desfolhando os seus olhos e os seus gestos
pelas paisagens límpidas.
E,
dentro,
bem no fundo
de mim, brotou, como uma flor, um pensamento:
– Foi naquela manhã que Deus fez este
mundo...
ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso,
Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.86, 89
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Gustav Klimt - O beijo (detalhe) |
EUGENIA
Raul de Leoni (1895-1926)
Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...
Às belezas heroicas te comparas
E em mim a chama olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis),
Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...
LEONI, Raul de. Melhores poemas. Seleção
Pedro Lyra. São Paulo: Global, 2002. p.105
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Pintura de Lauri Blank |
TEU RISO
Pablo Neruda (1904-1973)
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, porém nunca
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que debulhas,
a água que de repente
em tua alegria estala,
essa onda repentina
de prata que te nasce.
De áspera luta volto
com olhos fatigados
por vezes de ter visto
a terra que não muda,
mas ao chegar teu riso
sobe ao céu me buscando,
e abre para mim todas
as portas desta vida.
Amor meu, no momento
mais escuros desata
o teu riso, e se acaso
vês que meu sangue mancha
as pedras do caminho,
ri, porque teu riso
será, em minhas mãos,
como uma espada fresca.
Junto ao mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e em primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Que te rias da noite,
ri do dia, da lua,
das ruas tortas da ilha,
ri do desajeitado
rapaz que te quer tanto,
porém quando mal abro
os olhos, quando os fecho,
quando os meus passos vão,
quando os meus passos voltam,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
senão, amor, eu morro.
NERUDA, Pablo. Os versos do capitão. Tradução
Thiago de Mello. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p.29-31
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Pintura de Lauri Blank |
LIVROS E FLORES
Machado de Assis (1839-1908)
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
ASSIS, Machado de. Poesias Completas. Rio de
Janeiro: W. M. Jackson Inc. Editores, 1962. p.129
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Rodin - O beijo |
BEIJOS DO CÉU
Raimundo Correa (1859-1911)
Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
— Vi-te no céu; e, enamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia...
Santos e anjos beijavam-te... Eu bem via!
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o próprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!
Nisto, o ciúme — fera que eu não domo —
Despertou-me do sonho, repentino...
Vi-te a dormir tão plácida a meu lado...
E beijei-te também, beijei-te... e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!
CORREA, Raimundo. Poesias. São Paulo:
Livraria São José, 1958. p.31
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Frank Dicksee - Romeu e Julieta, 1884 |
AMO-TE ASSIM
Paulo Bomfim
Amo-te assim
Com o amor dos condenados,
O desespero dos náufragos,
A lucidez dos suicidas;
Moro em tua liberdade,
Sonho em teu mar selvagem,
Desperto em tua vida.
Amo-te assim
Com a tristeza dos cegos
E a doçura do crepúsculo
Na hora azul que se perde
Entre o que sou e o que fui.
Amo-te assim
Em cada último minuto
Que rola sobre as pétalas
De tua essência,
E morre em minha carne.
TROVA
Paulo Bomfim
Longe de ti eu me sinto
Ave sem pouso e sem lar.
Longe de ti sou apenas
A praia longe do mar.
BOMFIM, Paulo. 50 anos de poesia. São Paulo:
Editora Green Forest do Brasil, 2000. p.36, 39
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Pintura de Lauri Blank |
OS VERSOS QUE TE DOU
J.G. de Araújo Jorge (1914-1987)
Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
– eu farei versos... e serei feliz...
E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
– esse passado que começa agora...
Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los – sem ninguém
que possa perturbar vossa ventura...
............................................................................................
Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...
E ao lê-los – com saudade, em tua dor...
– hás de rever, chorando, o nosso amor...
– hás de lembrar, também, de quem os fez.
Se nesse tempo eu já tiver partido,
e outros versos quiseres, – teu pedido
deixa ao lado da cruz para onde eu vou...
Quando lá, novamente, então, tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou!...
JORGE, J.G. de Araújo. Os mais belos poemas
que o amor inspirou (1). São Paulo: Theor, 1970. p.60-61
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Passion - Leonid Afremov |
OLMEIRO DE AREZZO
Humberto de Campos (1886-1934)
“Meu coração (dissete) há muito é morto...
Morreu porque custaste, e não podia
Viver mais para o amor, para a alegria,
Sem teu braço, teu beijo, teu conforto...”
Eis repetida, pois, a lenda do horto
Lendário e triste, em que um arbusto, um dia,
Vetusto e seco, refloriu, quando ia
O cadáver de um santo ao último porto.
É a mesma história a repetir-se: o olmeiro
Que, ao bater no ataúde, reverdece,
E abre em folhas e flores todo inteiro.
É este lírico espírito que animas,
E que, ao sentir teu coração, floresce,
Aberto em sonhos e desfeito em rimas!
CONFITEOR
Humberto de Campos (1886-1934)
Olha: eu sei que outro te ama, que palpita
Outro peito por ti. Noto e conheço
Que a alguém votas paixão justa e infinita,
Que eu não disputo porque não mereço.
Amo-te, é certo; adoro-te, confesso,
E não deves querer que to repita;
És o objeto do culto que professo,
E amar-te é lei na minha sorte escrita.
Ver-me-ás, por isso, comovido e mudo.
Nunca te hei de falar, porque, na vida
Quero ver-te feliz, antes de tudo.
Segue, portanto, e deixa-me sozinho.
Deixa apenas que esta alma dolorida
Espalhe versos pelo teu caminho...
CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São
Paulo: Opus, 1983. p.70, 106
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Pintura de Lauri Blank |
MÚSICA DE CÂMARA
James Joyce (1882-1941)
VI
Quem dera o doce peito eu habitasse
(Tão belo ele é, tão doce e vero!)
E o vento rude nunca me rondasse...
Por causa do árido ar severo
Quem dera o doce peito eu habitasse.
Tivesse nesse coração morada
(De leve, bato, imploro à moça!)
E nele a paz me fosse partilhada...
Esse ar severo fora doce
Tivesse nesse coração morada.
IX
Ventos de maio, em dança mar afora,
Dançando lá numa giranda em glória,
De sulco em sulco, a espuma esvoaçando
Ao alto, até tornar-se uma guirlanda
De arcos prateados que atravessam o ar –
Não viram meu amor nalgum lugar?
Malandança, malandança!
Ah ventos de maio em dança!
Amor é triste se amor está a distância!
JOYCE, James. Música de câmara. Tradução de
Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Iluminuras, 1998. p.61, 67
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Suave - Talantbek Chekirov |
AO ANJO DA MINHA GUARDA
Júlia da Costa (1844-1911)
Por que te vejo eu dormente
Como a flor à beira-mar?
Por que não falas, meu anjo,
Que mal te fez meu cantar?
Que mal te fez a andorinha,
Que esvoaça de ti perto?
Que mal te fez a minh’alma
P’rá viver neste deserto?
Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.
O mundo me causa tédio,
Não posso viver, ai não!
Se tu me esperas no céu,
Ouve, ó anjo, esta canção:
Ouve a voz do peito meu,
Que te leva a viração
E de lá desfere um hino
Que ecoe na imensidão.
Por que não falas? que importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?
Eu quero a vida, essa vida
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.
Diz a nuvem do arrebol
Que fulge outra vida lá,
Que o sol, que brilha é prenúncio
De gozos que cá não há.
Quem sabe? minh’alma diz,
Que tu me esperas no céu!
Diz-me do mar a gaivota,
Que é só meu o sonho teu.
Em minhas noites de febre,
Sempre tu a me acenar.
– Não és o anjo das tumbas
Que eu bem sinto o teu olhar...
Não és visão, que eu conheço
Essa face branca e fria,
Esses cabelos doirados
Esse rir, essa harmonia.
És o meu anjo querido
Por quem tanto solucei
E que, perdido uma vez,
Nunca mais o encontrei.
Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua
Se a rosa branca que dei-te,
Inda conserva o frescor
Por que não cantas a rosa
Da doce lua ao palor?
Se a pátria deixada um dia
Inda guarda o berço teu,
Por que da pátria distante
Já não me falas do céu?
Deixaste a pátria sem pena
Sem pena dos prantos meus!
E foste triste, sozinho
Pousar teu berço nos céus.
A noite desdobra o manto
Pia a coruja nos ares...
Mas a gaivota inocente
Ainda paira nos mares...
Oh! dize a ela que vives
Distante dos irmãos teus,
Mas que aguardas a minh’alma
Da noite nos puros véus...
O vento cicia triste
Nas folhas do limoeiro!
Oh! a ele pede que seja
De teus hinos mensageiro!
Por que não falas? qu’importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?
COSTA, Júlia da. Poesia. Org. Zahide
Lupinacci Muzart. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001. p.241-243