segunda-feira, 22 de junho de 2015

LUÍSA LESSA TOMA POSSE COMO PRESIDENTE DA ACADEMIA ACREANA DE LETRAS

Ocorreu na última sexta-feira, 19, no Teatro Universitário da UFAC, em Rio Branco, a solenidade de posse da acadêmica prof.a Dr.a Luísa Galvão Lessa Karlberg como presidente da Academia Acreana de Letras e demais membros da Diretoria, para o biênio 2015-2017. Luísa Lessa é natural de Tarauacá, e uma das importantes estudiosas da língua portuguesa na região. Tornou-se a primeira mulher a ocupar a presidência do sodalício em seus 78 anos de história. Autoridades, escritores, amigos e familiares estiveram presentes na cerimônia.
Confira algumas fotos do evento:
Presidente da AAL Luísa Lessa





Sílvio Martinello, Fátima Almeida, Gilberto Braga, Margarete Prado e Reginâmio Lima





Poeta Mauro Modesto


Fátima Almeida e Minoru Kinpara - reitor da UFAC

sexta-feira, 19 de junho de 2015

ACADEMIA ACREANA DE LETRAS EMPOSSA 1ª MULHER; LUÍSA KARLBERG É CONTRA GENTÍLICO “ACRIANO”

Amanda Borges
A Academia Acreana de Letras (AAL), que completa 78 anos em 2015, empossa na presidência, nesta sexta-feira (19), em solenidade no auditório do Teatro Universitário, a professora Luisa Karlberg, 64 anos, que entra para a história da instituição como a primeira mulher a ocupar o cargo.

A AAL foi presidida nos últimos 19 anos pelo professor aposentado e poeta Clodomir Monteiro, que manobrou de todas as maneiras possíveis para permanecer no cargo e inviabilizar qualquer mudança na diretoria.

Luisa Karlberg ingressou na AAL em 2004. Não é escritora, mas tem na bagagem mais de 2 mil produções científicas, entre palestras, artigos e teses publicadas. Natural de Tarauacá, formada pela Universidade Federal do Acre, a professora aposentada de língua portuguesa se sente preparada para assumir a sexta presidência dos 40 imortais do Acre.

Foi em sua casa, no bairro Bosque, que a professora aposentada recebeu a reportagem para contar sua trajetória e os desafios da Academia Acreana de Letras neste ano. Embora tenha havido resistência para a realização da eleição na AAL, Luisa Karlberg disse que tem recebido apoio da sociedade para começar uma nova etapa.

“Venho de uma cidade do interior muito distante, de uma localidade muito distante. Cedo aprendi a olhar acima da copa das árvores, o que me permitiu ver que o mundo era maior que aquele lugar que eu estava. E eu ganhei o mundo. Hoje posso dizer que sou cidadã do mundo”, afirma a imortal.

Mesmo com tantos carimbos no passaporte e se considerando “do mundo”, é no Acre que Luísa Karlberg deve enfrentar os desafios de presidir a Academia por dois anos. Um deles é fazer com que a instituição saia do estereótipo de elitizada e inalcançável e comece a dialogar com a sociedade.

“A Academia Acreana de Letras abriga o maior número de intelectuais do Estado do Acre. Temos cientistas, médicos, historiadores, professores e jornalistas brilhantes. E uma das coisas que nós desejamos fazer nesse mandato é tornar a Academia conhecida da sociedade, para que a sociedade nos visite, as instituições, e possamos produzir mais”, acrescenta.

Para que esse envolvimento aconteça, Luísa pretende promover interação com a sociedade valendo-se dos produtores de cultura, poetas e escritores. “A sociedade espera que a Academia seja ativa, que ela dialogue, incentive os escritores e os poetas, e que ela faça concursos literários. A Academia não pode ficar encastelada numa sala com seus imortais. Ela tem que abrir as portas, receber a comunidade, descobrir os talentos e olhar para as pessoas que produzem e incentivar essas pessoas. Organizar antologias e fazer a divulgação daquilo que o Acre produz de boa qualidade”.

Sem sede própria, a AAL ocupa uma sala emprestada na Casa da Cultura, no bairro Bosque. Luisa Karlberg reclama que, além da falta de estrutura, não existe apoio do governo do Estado à instituição, mesmo sendo o governador Tião Viana um dos imortais.

A ALL não dispõe de espaço sequer para abrigar alguns poucos livros ou receber visitantes. Segundo a futura presidente, embora seja uma entidade autônoma, em todos os estados em que existe uma academia, os governos oferecem sede e fazem repasses financeiros para o desenvolvimento cultural da região. “É um percentual que permite que a instituição desempenhe com satisfação o seu papel cultural na sociedade, mas aqui isso não tem acontecido”, lamenta.


Acreano x acriano


Luísa Karlberg entende que a Academia de Letras do Acre deve funcionar como uma guardiã da cultura e da língua regional. No Estado, por exemplo, uma das questões em que a entidade se envolveu foi contra a mudança do gentílico acreano para “acriano”, proposto pelo Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Em 2009, após ser consultada pela Assembleia Legislativa do Acre sobre a Base V, letra c, do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a AAL lançou um manifesto em defesa do "acreano" com o argumento de que é consagrado pela história.

“A questão do gentílico acreano o próprio Acordo Ortográfico diz que todos os nomes registrados permanecem como estão. Então há uma controvérsia, uma falta de leitura. De qualquer forma, o gentílico acreano está registrado há mais de 130 anos e nesse período se consolidou. Nós não podemos alterar o que o povo elegeu como algo que está convencionado no meio social. A cultura é soberana nesse aspecto. É um erro crasso a gravura de ‘acriano’. É minha opinião”, argumenta Luísa Karlberg.

De acordo com a professora, na primeira constituição brasileira, em 1536, Fernando de Oliveira, diz que “a língua faz os homens e não os homens a língua”. Desta forma, argumenta, “isto quer dizer que a língua é um espelho da cultura, a língua é um motor, a língua é uma ferramenta porque é um instrumento de comunicação”.

Luísa Karlberg considera que “a língua é um lugar porque reflete o falante e onde ele vive”.  Para ela, “a língua é um espelho” porque traduz a cultura do seu povo. “Nós não podemos alterar o que o povo elegeu como algo que está convencionado no meio social”.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

AO FUTURO GOVERNADOR DO ACRE E EX-GOVERNADOR DO FUTURO: CONSELHOS DO TEMPO

O que segue foi publicado no jornal O Rio Branco em 28 de setembro de 2006. O texto foi endereçado ao governo que tomaria posse no ano seguinte – o do Binho – Uma cópia foi entregue pessoalmente, no começo de 2007, ao já empossado Presidente da Fundação de Cultura Daniel Zen. Nove anos se passaram. O ex-governador mora em Brasília com a família. O Zen, que à época integrava uma banda pop local que não existe mais, virou politico, antes foi Secretário de Educação. O diretor de teatro citado não faz mais teatro – parece que hoje mora em Rio Branco. O grupo de teatro citado não existe mais. A última versão do Festival de Teatro do Acre quase não contou com peças locais, mormente dos municípios. O ex-governador Romildo vive a lamentar pelos cantos o que deixou de fazer. Quanto aos conselhos dados, fica a critério de cada avaliar se foram seguidos. De minha parte, vejo que os atuais políticos, suas famílias e partidos estão muito bem! Viva a cultura acreana!


AO FUTURO GOVERNADOR DO ACRE E EX-GOVERNADOR DO FUTURO: CONSELHOS DO TEMPO
João Veras*


Há alguns dias, assisti, no teatro Hélio Melo, a peça “Anjos da Noite”, do grupo de teatro “Arte é viver”, do município de Feijó. A apresentação fazia parte da programação do VIII Congresso Acreano de Teatro realizado pela Federação de Teatro do Acre-FETAC com a participação de 12 grupos de teatro de todo o Estado. Feijó tem, hoje, quase 40 mil habitantes. Foi fundado em 1906 e é o segundo maior município do Acre em extensão. Mas Feijó conta apenas com um grupo de teatro e não possui casa de espetáculo. A exemplo dos demais municípios do Estado do Acre, Feijó nunca conheceu qualquer plano de ação cultural. Aliás, nem órgão gestor, nem orçamento o poder municipal tem para a cultura.

Ao final da apresentação, o diretor da peça, Hector Magalhães, que também atua e é o autor do texto do espetáculo, agradeceu a oportunidade da apresentação em Rio Branco, sonho antigo, e falou da velha dificuldade de sempre para se fazer teatro no Acre e da resistência sua e de seu grupo no município de Feijó, essas coisas que nós de Rio Branco e dos demais municípios, que teimamos em fazer arte, muito bem conhecemos.

Visivelmente emocionado, Hector chamou ao palco seu pai, um senhor que estava justamente ao meu lado no escuro do teatro. O senhor que subiu ao palco, para surpresa dos presentes, era Romildo Magalhães. Ex-prefeito de Feijó, ex-deputado estadual e ex-governador do Estado (90/94). A cena comoveu. A plateia dividida entre sentimentos ouvia do ex-governador a declaração de que não conhecia o lado artístico do filho e do orgulho que estava sentindo naquele momento.

Não sei se o evento moveu o ex-governador a refletir sobre as suas gestões na área cultural. É possível. Eu não resisti. A propósito, sai do teatro pensando sobre o tempo e o poder. O mundo gira e não congela nada, mas marca. O que fazemos hoje pode definir, e define, nossos rumos, nossas vidas amanhã. Isto vale também para os administradores públicos que trabalham para o presente e o futuro de vidas, que administram esperanças e são eleitos e pagos para tornar o local em que vivemos e as pessoas e relações cada vez melhores, hoje e amanhã. Já ouvi de um ex-gestor cultural que o poder cega. Muitos creditam a essa cegueira a razão pela qual administradores públicos tanto falham no exercício de seu papel, na consecução de seu dever de administrar a coisa pública para o bem de todos e de acordo com as aspirações destes.

Uso aqui como referência especificamente a área cultural. Tendo em mente as “gestões públicas” nesta área nas últimas décadas. Não conheço os programas dos atuais candidatos ao governo para a cultura. Por tal motivo, resolvi, sem a pretensão da verdade e limitado à minha parca observação da nossa breve história contemporânea, elencar alguns conselhos pertinentes a uma reflexão honesta sobre a importância do poder em nossas vidas e, sobretudo, para o futuro da cultura acreana. O que faço me dirigindo ao governador que administrará o Acre de 2007 a 2010:

1 – Não censure, nem deixe que se censure. Isto é feio, ilegal, imoral e dizem que engorda.

2 – Não elimine, nem deixe que se elimine, quem pensa e se manifesta diferente. Não seja um administrador excludente.

3 – Dialogue. Mais que isso, crie canais de diálogo. Este é o verdadeiro norte para governar.

4 – Não se comporte com indiferença frente a qualquer manifestação do cidadão. Não responder a quem lhe dirige é, além de tudo, falta de educação.

5 – Possibilite a informação e a transparência. Não há razão para que não seja assim. 

6 – Não deixe de participar da comunidade e também de possibilitar a participação dela.

7 – Considere e respeite o imaginário do povo. Seus sonhos, criatividades, invenções...

8 – Procure pela arte que se faz aqui. Busque saber do nosso teatro, da nossa música, do nosso cinema, das nossas artes plásticas, da nossa literatura, dos nossos sabores e sentimentos estéticos. Se não conseguir procure saber o motivo.

 Procure saber se há cinemas, teatros e bibliotecas nos municípios, assim como as programações dos rádios e televisões, e aproveite para imaginar o que é que as crianças, os jovens e os idosos dos municípios fazem, sobretudo, nos finais de semana. Imagine o que assistem, o que ouvem, o que leem, o que aprendem a gostar no campo das artes. Quais os seus imaginários e suas aspirações estéticas.

10 – Se pergunte pelo mercado cultural de arte acreana e o que que o Estado pode fazer por ele.

11 – Se pergunte porque as escolas não são usadas como centros culturais, sendo naturalmente isto. Porque que elas não divulgam a cultura local, especialmente a literatura, nem estimulam a criação artística. Porque que a educação artística não é realidade.

12 – Se pergunte porque até hoje não se estabeleceu no Acre uma política pública de cultura. Porque que a imensa maioria das prefeituras não têm órgãos gestores, nem orçamentos, de políticas culturais. Porque o orçamento do Estado para a cultura é tão parco.

13 – Se pergunte porque que o Sistema Público de Comunicação do Estado ainda não conseguiu se fazer espaço das manifestações culturais acreanas, do pensamento, da reflexão e do diálogo, bem como porque que não se estimula que as empresas de comunicação façam o mesmo, e em razão disto porque que as diversas manifestações artísticas acreanas não são conhecidas de nós.

Talvez, no futuro, possamos sentar no teatro para assistir outras cenas do “Arte de viver”, com ou sem ex-governador ao lado, mas com outra qualidade de comoção. Talvez o ex-governador do futuro possa ter consciência de seu presente, orgulho do seu tempo e do que realizou, e não somente orgulho do seu filho. Talvez... Talvez...

*Músico, compositor, poeta e membro titular do Conselho Estadual de Cultura.

domingo, 14 de junho de 2015

ROMANCE DA NOITE-CHUVA

Elson Farias


Tremia o trovão na terra.

Talhavam a face torva
gota a gota os seringais,
era o deus que era raivoso
e vinha nos temporais.

Bramia o rumor do rio
nas noites de escuro e chuvas,
caía a faixa da terra,
piavam surdo as corujas.

Um noturno canto-pranto
cortava o céu em dois meios,
nosso deus vinha vestido
de nós e os nossos receios.

*

– Minha mãe, onde é que eu acho
a lamparina da noite?
– Meu filho, ela deve estar
pendurada lá no alpendre.
– Minha mãe, por que a coruja
Pia agora sem parar?
– Meu Filho, certo que existe
um defunto a amortalhar.
– Quero dormir, minha mãe,
dentro das trevas desta hora,
mas não posso me embrulhar,
o meu lençol me apavora.
– Meu filho, dorme, não chora,
que o dia não custa a vir,
reza as três ave-marias,
muda a roupa e vai dormir.

*

A terra tremia toda.


FARIAS, Elson. Romanceiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990. p.18-19

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Elson Farias, um dos grandes nomes das letras amazonenses. Integrou o Clube da Madrugada, e pertence à Academia Amazonense de Letras. Com vasta bibliografia.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

POESIAS ROMÂNTICAS DE GRANDES NOMES DA LITERATURA

William Adolphe Bouguereau (1825-1905) L'Amour et Psych (1899)

EXPANSÕES
Paul Géraldy (1885-1983)

Eu gosto, gosto de você!
Compreende? Eu tenho por você uma doidice...
Falo, falo, nem sei o quê,
mas gosto, gosto de você
Você ouviu bem isso que eu disse?...
Você ri? Eu pareço um louco?
Mas que fazer para explicar isso direito,
para que você sinta?... O que eu digo é tão oco!
Eu procuro, procuro um jeito...
Não é exato que o beijo só pode bastar.
Qualquer coisa que me afoga, entre soluços e ais.
É preciso exprimir, traduzir, explicar...
Ninguém sente senão o que soube falar.
Vive-se de palavras, nada mais.
Mas é preciso que eu consiga
essas palavras, e que eu diga,
e você saiba... Mas, o quê?
Se eu soubesse falar como um poeta que sente,
– diga! – diria eu mais do que
quando tomo entre as mãos essa cabeça linda
e cem, mil vezes, loucamente,
digo e repito e torno a repetir ainda:
Você! Você! Você! Você!...


MEDITAÇÃO
Paul Géraldy (1885-1983)

A gente começa a amar
por simples curiosidade,
por ter lido num olhar
certa possibilidade.

E como, no fundo, a gente
se quer muito bem,
ama quem a ama, somente
pelo gosto igual que tem.

Depois, a gente começa
a repartir dor por dor.
E se habitua depressa
a trocar frases de amor.

E, sem pensar, vai falando
de novo as que já falou...
E então, continua amando
só porque já começou.


GÉRALDY, Paul. Eu e você. Tradução Guilherme de Almeida. São Paulo: Editora Nacional, 1983. (18.a edição) p.16-17, 92-93
Na Cama (In Bed The Kiss, 1892) de Henri De Toulouse-Lautrec

“CANTIQUE D’AMOUR”
Guilherme de Almeida (1890-1969)

Amo pela alegria infinita de amar:
pela promessa de felicidade
que há de sempre florir no teu sorriso, que há de
eternamente arder no teu olhar...

Amo pela alegria
luminosa do amor: do amor que é como um sol
para o qual eu me volto todo, cada dia,
hipnotizado como um girassol...

Amo – e este amor
é toda a esplêndida, a única alegria
da minha vida...

E se algum dia
tu me vires chorando, partido de dor,
como uma pobre coisa desgraçada,
como uma triste flor esmigalhada
entre os teus dedos, meu amor,
não enxugues meu pranto! Ri! Ri teu sorriso
de ouro! Sacode tua vida como um guizo
sobre a minha!

E, depois, deixa-me só, pensando
que é de alegria que eu estou chorando!


O PASSEIO
Guilherme de Almeida (1890-1969)

Nós fomos, de manhã, pelos campos sadios.
Dos telhados vermelhos, fumos quase retos
subiam, como fios
do novelo da vida...

Ela ia toda ao vento,
desfolhando os seus olhos e os seus gestos
pelas paisagens límpidas.

E, dentro,
bem no fundo
de mim, brotou, como uma flor, um pensamento:
– Foi naquela manhã que Deus fez este mundo...


ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso, Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.86, 89
Gustav Klimt - O beijo (detalhe)

EUGENIA
Raul de Leoni (1895-1926)

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heroicas te comparas
E em mim a chama olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis),

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...


LEONI, Raul de. Melhores poemas. Seleção Pedro Lyra. São Paulo: Global, 2002. p.105
Pintura de Lauri Blank

TEU RISO
Pablo Neruda (1904-1973)

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, porém nunca
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que debulhas,
a água que de repente
em tua alegria estala,
essa onda repentina
de prata que te nasce.

De áspera luta volto
com olhos fatigados
por vezes de ter visto
a terra que não muda,
mas ao chegar teu riso
sobe ao céu me buscando,
e abre para mim todas
as portas desta vida.

Amor meu, no momento
mais escuros desata
o teu riso, e se acaso
vês que meu sangue mancha
as pedras do caminho,
ri, porque teu riso
será, em minhas mãos,
como uma espada fresca.

Junto ao mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e em primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Que te rias da noite,
ri do dia, da lua,
das ruas tortas da ilha,
ri do desajeitado
rapaz que te quer tanto,
porém quando mal abro
os olhos, quando os fecho,
quando os meus passos vão,
quando os meus passos voltam,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
senão, amor, eu morro.


NERUDA, Pablo. Os versos do capitão. Tradução Thiago de Mello. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p.29-31
Pintura de Lauri Blank

LIVROS E FLORES
Machado de Assis (1839-1908)

Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?


ASSIS, Machado de. Poesias Completas. Rio de Janeiro: W. M. Jackson Inc. Editores, 1962. p.129
Rodin - O beijo

BEIJOS DO CÉU
Raimundo Correa (1859-1911)

Sonhei-te assim, ó minha amante, um dia:
— Vi-te no céu; e, enamoradamente,
De beijos, a falange resplendente
Dos serafins, teu corpo inteiro ungia...

Santos e anjos beijavam-te... Eu bem via!
Beijavam todos o teu lábio ardente;
E, beijando-te, o próprio Onipotente,
O próprio Deus nos braços te cingia!

Nisto, o ciúme — fera que eu não domo —
Despertou-me do sonho, repentino...
Vi-te a dormir tão plácida a meu lado...

E beijei-te também, beijei-te... e, ai! como
Achei doce o teu lábio purpurino.
Tantas vezes assim no céu beijado!


CORREA, Raimundo. Poesias. São Paulo: Livraria São José, 1958. p.31
Frank Dicksee - Romeu e Julieta, 1884

AMO-TE ASSIM
Paulo Bomfim

Amo-te assim
Com o amor dos condenados,
O desespero dos náufragos,
A lucidez dos suicidas;
Moro em tua liberdade,
Sonho em teu mar selvagem,
Desperto em tua vida.
Amo-te assim
Com a tristeza dos cegos
E a doçura do crepúsculo
Na hora azul que se perde
Entre o que sou e o que fui.
Amo-te assim
Em cada último minuto
Que rola sobre as pétalas
De tua essência,
E morre em minha carne.


TROVA
Paulo Bomfim

Longe de ti eu me sinto
Ave sem pouso e sem lar.
Longe de ti sou apenas
A praia longe do mar.


BOMFIM, Paulo. 50 anos de poesia. São Paulo: Editora Green Forest do Brasil, 2000. p.36, 39
Pintura de Lauri Blank

OS VERSOS QUE TE DOU
J.G. de Araújo Jorge (1914-1987)

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
– eu farei versos... e serei feliz...

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
– esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los – sem ninguém
que possa perturbar vossa ventura...
............................................................................................
Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los – com saudade, em tua dor...
– hás de rever, chorando, o nosso amor...
– hás de lembrar, também, de quem os fez.

Se nesse tempo eu já tiver partido,
e outros versos quiseres, – teu pedido
deixa ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá, novamente, então, tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou!...

JORGE, J.G. de Araújo. Os mais belos poemas que o amor inspirou (1). São Paulo: Theor, 1970. p.60-61
Passion - Leonid Afremov

OLMEIRO DE AREZZO
Humberto de Campos (1886-1934)

“Meu coração (dissete) há muito é morto...
Morreu porque custaste, e não podia
Viver mais para o amor, para a alegria,
Sem teu braço, teu beijo, teu conforto...”

Eis repetida, pois, a lenda do horto
Lendário e triste, em que um arbusto, um dia,
Vetusto e seco, refloriu, quando ia
O cadáver de um santo ao último porto.

É a mesma história a repetir-se: o olmeiro
Que, ao bater no ataúde, reverdece,
E abre em folhas e flores todo inteiro.

É este lírico espírito que animas,
E que, ao sentir teu coração, floresce,
Aberto em sonhos e desfeito em rimas!


CONFITEOR
Humberto de Campos (1886-1934)

Olha: eu sei que outro te ama, que palpita
Outro peito por ti. Noto e conheço
Que a alguém votas paixão justa e infinita,
Que eu não disputo porque não mereço.

Amo-te, é certo; adoro-te, confesso,
E não deves querer que to repita;
És o objeto do culto que professo,
E amar-te é lei na minha sorte escrita.

Ver-me-ás, por isso, comovido e mudo.
Nunca te hei de falar, porque, na vida
Quero ver-te feliz, antes de tudo.

Segue, portanto, e deixa-me sozinho.
Deixa apenas que esta alma dolorida
Espalhe versos pelo teu caminho...


CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.70, 106
Pintura de Lauri Blank

MÚSICA DE CÂMARA
James Joyce (1882-1941)

VI

Quem dera o doce peito eu habitasse
(Tão belo ele é, tão doce e vero!)
E o vento rude nunca me rondasse...
Por causa do árido ar severo
Quem dera o doce peito eu habitasse.

Tivesse nesse coração morada
(De leve, bato, imploro à moça!)
E nele a paz me fosse partilhada...
Esse ar severo fora doce
Tivesse nesse coração morada.

IX

Ventos de maio, em dança mar afora,
Dançando lá numa giranda em glória,
De sulco em sulco, a espuma esvoaçando
Ao alto, até tornar-se uma guirlanda
De arcos prateados que atravessam o ar –
Não viram meu amor nalgum lugar?
Malandança, malandança!
Ah ventos de maio em dança!
Amor é triste se amor está a distância!


JOYCE, James. Música de câmara. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Iluminuras, 1998. p.61, 67
Suave - Talantbek Chekirov

AO ANJO DA MINHA GUARDA
Júlia da Costa (1844-1911)

Por que te vejo eu dormente
Como a flor à beira-mar?
Por que não falas, meu anjo,
Que mal te fez meu cantar?

Que mal te fez a andorinha,
Que esvoaça de ti perto?
Que mal te fez a minh’alma
P’rá viver neste deserto?

Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

O mundo me causa tédio,
Não posso viver, ai não!
Se tu me esperas no céu,
Ouve, ó anjo, esta canção:

Ouve a voz do peito meu,
Que te leva a viração
E de lá desfere um hino
Que ecoe na imensidão.

Por que não falas? que importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?

Eu quero a vida, essa vida
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Diz a nuvem do arrebol
Que fulge outra vida lá,
Que o sol, que brilha é prenúncio
De gozos que cá não há.

Quem sabe? minh’alma diz,
Que tu me esperas no céu!
Diz-me do mar a gaivota,
Que é só meu o sonho teu.

Em minhas noites de febre,
Sempre tu a me acenar.
– Não és o anjo das tumbas
Que eu bem sinto o teu olhar...

Não és visão, que eu conheço
Essa face branca e fria,
Esses cabelos doirados
Esse rir, essa harmonia.

És o meu anjo querido
Por quem tanto solucei
E que, perdido uma vez,
Nunca mais o encontrei.

Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua

Se a rosa branca que dei-te,
Inda conserva o frescor
Por que não cantas a rosa
Da doce lua ao palor?

Se a pátria deixada um dia
Inda guarda o berço teu,
Por que da pátria distante
Já não me falas do céu?

Deixaste a pátria sem pena
Sem pena dos prantos meus!
E foste triste, sozinho
Pousar teu berço nos céus.

A noite desdobra o manto
Pia a coruja nos ares...
Mas a gaivota inocente
Ainda paira nos mares...

Oh! dize a ela que vives
Distante dos irmãos teus,
Mas que aguardas a minh’alma
Da noite nos puros véus...

O vento cicia triste
Nas folhas do limoeiro!
Oh! a ele pede que seja
De teus hinos mensageiro!

Por que não falas? qu’importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?


COSTA, Júlia da. Poesia. Org. Zahide Lupinacci Muzart. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001. p.241-243