(*) José de Anchieta Batista
Desde os seis ou sete anos de idade, passou a
ser chamado pelo apelido de Brabo.
No primeiro dia de escola, toda a meninada
encontrou nele, imediatamente, muitos motivos para gozações. Parecia um boneco
de brinquedo. Tinha metade da estatura dos outros, era exageradamente franzino
e sua cabeça parecia a de um macaquinho. Com aquele jeito esquisito, seu
primeiro apelido foi “monstrinho”, mas diante de suas reações agressivas, os
colegas adicionaram outro apelido que veio a predominar definitivamente: Brabo.
É que ele saía no braço com meio mundo. Fosse quem fosse. Tivesse o tamanho que
tivesse. Havia, contudo, uma infinita desvantagem nisso. Não vencia um só dos
embates. Na maioria das vezes, no auge da brabeza, os garotos erguiam-no do
chão, sem qualquer esforço, e ele ficava balançando no ar as duas perninhas,
sem alcançar coisa alguma. Depois ia ele se sentar, amuado, chorando e
xingando, lá pelos recantos.
Os dias se passaram, consagrou-se realmente
como Brabo e, até hoje, por volta dos cinquenta anos, quase ninguém sabe seu
verdadeiro nome. No transcorrer de todas essas décadas, certamente cansou-se de
reagir ao apelido e se tornou tão natural ser chamado assim, que a brabeza do
Brabo, para reagir a isso, sumiu. Se o chamarem por seu nome de batismo, que
também não sei qual é, com certeza não atenderá.
O lado bom de tudo isso é que, apesar do
apelido, o Brabo se fez um cidadão pacato, absolutamente avesso à violência.
Por outro lado, o garotinho briguento dos tempos de escola não conseguiu mudar
sua compleição física. Continuou um magricela, um pedaço de gente, com estatura
inferior a um metro e meio.
Há algum tempo, nosso personagem resolveu
montar um bar a que deu o nome de “Bar Paz e Amor”. Num pequeno salão de duas
portas, instalou prateleiras e balcão, comprou geladeira, sinuca, mesas,
cadeiras e adquiriu utensílios para servir tira-gostos. Ele atende lá na frente
e sua mulher cuida dos afazeres da cozinha. A todos ele faz questão de dizer
que o ambiente é familiar, em contradição com as atitudes das figuras femininas
que lá frequentam. O negócio tem andado de vento em popa, mas o Brabo, vez por
outra, tem que apelar para a polícia vir restabelecer a ordem, em decorrência
de algum arranca-rabo.
Certo dia, o tempo fechou lá no bar do Brabo
e a urgência foi atendida por uma guarnição da Companhia de Operações
Especiais, conhecida popularmente como COE, cujos componentes passam por uma
seleção rigorosíssima, como se estivessem procurando lutadores de vale-tudo. Só
pode fazer parte da corporação quem tiver corpo agigantado e muita disposição
na hora do quebra-pau. Vestem farda preta, são de pouca conversa e, dependendo
da valentia do abordado, deixam o sujeito moído de peia.
A guarnição atendeu com presteza ao chamado,
mas um fato pouco comum aconteceu. Ao entrar no bar, um daqueles gigantes de
dois metros de altura e massa corpórea de um mamute, foi logo fazendo a
pergunta de praxe:
- Quem é o brabo daqui?
- Sou eu! – respondeu firmemente o pobrezinho
do Brabo, caminhando em direção ao soldado.
Por infeliz coincidência, empunhava um pedaço
de taco de sinuca que alguém houvera quebrado na hora da confusão e que ele
acabara de apanhar do chão para jogar no lixo. O brutamontes não quis papo.
Sentiu-se ameaçado e desceu-lhe a mão aberta no tronco da orelha. O pobre do
Brabo foi estatelar-se a uns oito metros de distância, completamente
nocauteado, lá no meio da rua.
- Comigo, brabeza é na porrada! Mais algum
brabo por aqui? - arrematou desafiante o policial.
Quem era doido de responder? Alguns
presentes, porém, com muito jeito, apressaram-se em desfazer o lamentável
equívoco e correram para acudir o coitado do Brabo que, totalmente zonzo,
procurava identificar em que mundo se encontrava.
Desfeito o tumulto, verificou-se que os baderneiros responsáveis pela confusão já estavam muito longe e o comandante da patrulha entabulava, comovido e prestimoso, um insistente pedido de desculpas pela violenta trapalhada.
Desfeito o tumulto, verificou-se que os baderneiros responsáveis pela confusão já estavam muito longe e o comandante da patrulha entabulava, comovido e prestimoso, um insistente pedido de desculpas pela violenta trapalhada.
Vida afora, o Brabo se fez manso, mas
infelizmente continua a carregar e a sofrer o peso da falsa brabeza de seu
apelido.
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(*) Escritor, poeta, passageiro do
tempo... e não sei mais o quê.
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