segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A BRABEZA DO BRABO

(*) José de Anchieta Batista


Desde os seis ou sete anos de idade, passou a ser chamado pelo apelido de Brabo.

No primeiro dia de escola, toda a meninada encontrou nele, imediatamente, muitos motivos para gozações. Parecia um boneco de brinquedo. Tinha metade da estatura dos outros, era exageradamente franzino e sua cabeça parecia a de um macaquinho. Com aquele jeito esquisito, seu primeiro apelido foi “monstrinho”, mas diante de suas reações agressivas, os colegas adicionaram outro apelido que veio a predominar definitivamente: Brabo. É que ele saía no braço com meio mundo. Fosse quem fosse. Tivesse o tamanho que tivesse. Havia, contudo, uma infinita desvantagem nisso. Não vencia um só dos embates. Na maioria das vezes, no auge da brabeza, os garotos erguiam-no do chão, sem qualquer esforço, e ele ficava balançando no ar as duas perninhas, sem alcançar coisa alguma. Depois ia ele se sentar, amuado, chorando e xingando, lá pelos recantos.

Os dias se passaram, consagrou-se realmente como Brabo e, até hoje, por volta dos cinquenta anos, quase ninguém sabe seu verdadeiro nome. No transcorrer de todas essas décadas, certamente cansou-se de reagir ao apelido e se tornou tão natural ser chamado assim, que a brabeza do Brabo, para reagir a isso, sumiu. Se o chamarem por seu nome de batismo, que também não sei qual é, com certeza não atenderá.

O lado bom de tudo isso é que, apesar do apelido, o Brabo se fez um cidadão pacato, absolutamente avesso à violência. Por outro lado, o garotinho briguento dos tempos de escola não conseguiu mudar sua compleição física. Continuou um magricela, um pedaço de gente, com estatura inferior a um metro e meio.

Há algum tempo, nosso personagem resolveu montar um bar a que deu o nome de “Bar Paz e Amor”. Num pequeno salão de duas portas, instalou prateleiras e balcão, comprou geladeira, sinuca, mesas, cadeiras e adquiriu utensílios para servir tira-gostos. Ele atende lá na frente e sua mulher cuida dos afazeres da cozinha. A todos ele faz questão de dizer que o ambiente é familiar, em contradição com as atitudes das figuras femininas que lá frequentam. O negócio tem andado de vento em popa, mas o Brabo, vez por outra, tem que apelar para a polícia vir restabelecer a ordem, em decorrência de algum arranca-rabo.

Certo dia, o tempo fechou lá no bar do Brabo e a urgência foi atendida por uma guarnição da Companhia de Operações Especiais, conhecida popularmente como COE, cujos componentes passam por uma seleção rigorosíssima, como se estivessem procurando lutadores de vale-tudo. Só pode fazer parte da corporação quem tiver corpo agigantado e muita disposição na hora do quebra-pau. Vestem farda preta, são de pouca conversa e, dependendo da valentia do abordado, deixam o sujeito moído de peia.

A guarnição atendeu com presteza ao chamado, mas um fato pouco comum aconteceu. Ao entrar no bar, um daqueles gigantes de dois metros de altura e massa corpórea de um mamute, foi logo fazendo a pergunta de praxe:

- Quem é o brabo daqui?

- Sou eu! – respondeu firmemente o pobrezinho do Brabo, caminhando em direção ao soldado.

Por infeliz coincidência, empunhava um pedaço de taco de sinuca que alguém houvera quebrado na hora da confusão e que ele acabara de apanhar do chão para jogar no lixo. O brutamontes não quis papo. Sentiu-se ameaçado e desceu-lhe a mão aberta no tronco da orelha. O pobre do Brabo foi estatelar-se a uns oito metros de distância, completamente nocauteado, lá no meio da rua.

- Comigo, brabeza é na porrada! Mais algum brabo por aqui? - arrematou desafiante o policial.

Quem era doido de responder? Alguns presentes, porém, com muito jeito, apressaram-se em desfazer o lamentável equívoco e correram para acudir o coitado do Brabo que, totalmente zonzo, procurava identificar em que mundo se encontrava.

Desfeito o tumulto, verificou-se que os baderneiros responsáveis pela confusão já estavam muito longe e o comandante da patrulha entabulava, comovido e prestimoso, um insistente pedido de desculpas pela violenta trapalhada.

Vida afora, o Brabo se fez manso, mas infelizmente continua a carregar e a sofrer o peso da falsa brabeza de seu apelido.

http://blogdoanchieta.blogspot.com.br/




(*) Escritor, poeta, passageiro do tempo...  e não sei mais o quê.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


Outros contatos poderão ser feitos por:
almaacreana@gmail.com