Inês Lacerda Araújo
Em geral a Filosofia, tanto como disciplina
acadêmica e como parte essencial da cultura e da história da humanidade, fica
distante da vida pessoal. Mesmo quem tem um grau apurado de informação e
educação formal, não consegue atinar com os conceitos, os termos, o tipo de
pensamento abstrato próprios da Filosofia.
Entretanto, a reflexão filosófica cumpre uma
função educacional, pedagógica e criativa na vida humana.
Como conciliar a dificuldade inerente ao
pensamento filosófico com sua necessidade e importância?
A narrativa filosófica se aproxima da arte e
da ciência, mas delas se distingue por não ser fantasiosa, não apelar para a
pura imaginação ficcional dos artistas que representam um mundo de cores, sons,
performances, e mesmo entretenimento. Distingue-se da ciência por prescindir de
testes, experimentos, leis, generalizações e obtenção de resultados práticos
como os da tecnologia.
Ao mesmo tempo a Filosofia depende de uma
mente aberta e criativa de um lado, e da busca da verdade o que também pauta a
ciência, de outro lado.
Se você é professor de Filosofia, ou se é
alguém com vontade de aprender com os mestres do pensamento, pode começar com
perguntas a seus alunos no primeiro caso, ou com reflexões pessoais no segundo
caso: indagações que partem de situações banais do cotidiano, das vivências
pessoais para em seguida generalizar com questões mais abrangentes e
fundamentais.
Quem sou eu? O que faço de relevante em minha
vida? Quais são os valores nos quais me baseio para decidir e julgar minhas
ações e o mundo ao meu redor?
Aproveite o conceito de "mundo",
por exemplo, para raciocinar, para abstrair. Como os primeiros filósofos,
pergunte sobre esse "mundo". O cosmo, o universo? E vá além: como
veio a ser tudo o que há? O homem em sua caminhada na face da Terra, o que isso
representa para a humanidade? E o sofrimento, a dor, a humilhação, são
absurdas, fazem sentido, como interpretar a morte, a morte de inocentes especialmente?
Ao atingir esse grau de abstração, eis aí o
filosofar despontando. É preciso despertar a curiosidade, com filósofos que
atinjam a mente e o coração.
***
Pessoas há que andam em círculos, o caminhar
contínuo desgasta o percurso, não saem do próprio ninho construído, aliás, por
elas mesmas. São prisioneiras de seus preconceitos e ignorância.
Outras há que ziguezagueiam, parecem chegar a
um resultado gratificante, mas voltam atrás, sua perplexidade as impede de
seguir em frente.
E outras há que cumprem metas, se
transformam, modificam seu modo de pensar em busca de melhoria, de novos
valores, de indagações que alargam e iluminam seu reto caminhar.
O papel da Filosofia seria trazer para este
último caminhar um número maior de pessoas cada vez mais livres, mais
reflexivas, que ponderam e abrem seu pensamento. Isso impede que ideologias,
credos, partidos ceguem e fechem cabeças e corações. Que elas não precisem de
um comando, de um chefe, de alguém que diga o que devem fazer, o que pensar,
como viver.
* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.
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