terça-feira, 17 de novembro de 2015

POMBO DE MERCADO

Isac de Melo


Eu me lembro de quando era criança
Que meu pai me trazia pro mercado
Muitas vezes com frio e encapado
Mas reinava um clima de festança
Um afã misturado com esperança
Ou talvez só vontade de comer
Esperando o dia amanhecer
Me sentava nos sacos de farinha
Dava voltas em torno da feirinha
Tempo bom e difícil de esquecer

Quando o rio Acre estava seco
Eu corria e sentava no barranco
E olhava pro céu azul e branco
Respirando um aroma pitoresco
Um ar puro, delicioso e fresco
Eu então começava a sonhar
Se pudesse ter asas e voar...
Num impulso transpunha o horizonte
Não precisava escada e nem ponte
Pra descer nesse rio e me banhar

Era um tempo de poucas opções
Mas que havia maior discernimento
Cada um desfrutava seu momento
E havia mais paz nos corações
Pois ninguém proferia palavrões
Era tudo na paz e com respeito
Cada qual se portava do seu jeito
E assim um vendia e outro comprava
E a humanidade caminhava
Com a paz de Jesus e Deus no peito

Nas banquinhas em torno do mercado
Tinha frutas legumes e verdura
Mel de cana batida e rapadura
Charque gorda farinha e enlatado
Um feijãozinho novo temperado
Café puro ou com leite com cuscuz
Peixe seco bem frito meu Jesus!
Quando lembro isso tudo me arrepia
Com a timba roncando de vazia
Ia eu carregando a minha cruz

Nos balcões de cimento do mercado
Começava o núcleo de açougueiros
Nesse tempo rolava um bom dinheiro
O marchante era bem remunerado
Era gordo não vendia fiado
Tinha uma fila longa pra comprar
Mal o boi acabava de chegar
Já se ouvia dizer não tem mais nada
Um abraço pra aquela açougueirada
Porque nada nos custa recordar!

Mais à frente num outro pavilhão
Encontrava-se o bloco dos colonos
Muitas pilhas de sacos e seus donos
Com arroz milho farinha e feijão
No corredor o padeiro tinha o pão
Cacheada biscoito e pão torrado
Já num outro arroz doce e milho assado
Quibe frito charuto e mungunzá
Hoje em dia sempre que volto a lembrar
Ainda sinto-me um pombo de mercado...

Hoje volto ao antigo mercado
E revejo reflito e observo
Que além da memória que preservo
Jaz ali um império reformado
Nele vejo meu pai perpetuado
Elevado em bênçãos feito monge
Minha mãe na estátua de bronze
Meu passado naquela passarela
É como por a face na janela
E olhar sua vida bem de longe...



ISAC DE MELO é poeta e cordelista acreano. Autor do livro “Urucum” (Clube de Autores, 2015).

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