Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto, se o for, serei em vão,
Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.
Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.
Mas fica sempre porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem.
27-7-1931
PESSOA, Fernando. Obra
Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p.548
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