Gilberto A. Saavedra
Rio de
Janeiro – Em 13/01/2016
A cidade de Rio Branco capital do Estado do
Acre é banhada pelo rio do mesmo nome, que divide a cidade em dois polos.
Essas divisões são denominadas de Primeiro e
Segundo Distritos. Hoje há uma movimentação intensa de pedestres e veículos
entre ambas, através de pontes sobre o rio Acre.
Mas no passado, resgatando um pouco da
história, quando ainda não existiam as pontes sobre o rio, não era assim. A
conexão entre os dois lados da cidade, era realizada por pequenos barcos, que
realizavam o transporte público de pessoas e também de mercadorias (carga) em
geral.
‘Catraia’ era o nome desses barcos,
construídos em madeira e que transportavam mais ou menos dez pessoas,
comodamente sentadas com cinco de cada lado e mais o catraieiro (manobreiro) da
embarcação.
A propulsão (movimentação) do barco era pela
força física do ‘catraieiro’, através de dois remos iguais ‘um de cada lado do
bote’.
No rio Acre, em uma parte do porto de Rio
Branco, disponha de escadarias nos dois polos da cidade, que serviam para a
população embarcar e desembarcar das catraias.
O movimento diário era grande. O rio se
tornava uma verdadeira estrada fluvial, com as catraias se deslocando “Pra lá e
pra cá”, prestando um grande serviço à coletividade rio-branquense.
Quem quisesse ir de um lado da cidade para o
outro lado, era necessário usar as catraias. Era o único meio de transporte
público entre os dois polos. E assim a
população em geral se movimentava diariamente.
Com as construções das pontes sobre o rio
Acre, as catraias desapareceram e o ofício de catraieiro perto desses locais
foi tragado pelo progresso da capital do Acre.
É uma pena. Mas o registro fica assentado na
historiografia. Nada apagará da memória a profissão de catraieiro. Seu trabalho
tem um valor preponderante, histórico e social na vida de todos.
O BOTE JABUTI
Nesse tempo passado, eu tinha um irmão que
morava no primeiro lado da cidade de Rio Branco, mas trabalhava no segundo, que
ficava do outro lado do rio Acre. Ele se chamava Moacir, aliás, eu tinha dois
irmãos com esse mesmo nome. Incrível, né?
Esse primeiro que trabalhava no segundo lado
da cidade, era mecânico (de mão cheia) de embarcação, era o mais velho; o outro
Moacir era funcionário do Banco do Brasil. Os dois infelizmente faleceram.
Certa vez ele (o primeiro citado), me levou
para o trabalho dele, uma firma de funilaria (técnica em trabalho em lata ou em
folha de flandres). Eu gostei e de vez em quando eu comparecia. Lá eu ficava
olhando como eles soldavam porongas.
Poronga para os que não sabem é uma luminária
(lamparina) que o seringueiro coloca na cabeça para enxergar à noite, durante o
percurso das estradas do seringal. Seu combustível mais frequente é o querosene
ou o óleo. Coisa de nossa terra a ‘Amazônia’.
Nessa época, eu era pré-adolescente. Já
gostava de trabalhar, de fazer qualquer coisa. Dinheiro que é bom eu nunca
ganhei. Acho que escolhi a profissão errada para fazer fortuna.
O nosso deslocamento para o trabalho do outro
lado da cidade, era através de catraias. Mas o meu irmão Moacir, passou a usar
um serviço paralelo gratuito, que era bancado pelo governo.
O barco, era do mesmo modelo das catraias,
porém bem maior. Infelizmente, era usado um só barco durante todo o dia.
Consequentemente, a espera no ponto de
embarque do barco para atravessar o rio se tornava demorada, além do mais, o
barco por ser maior, pesava mais e com isso ficava mais lento na travessia das
águas do rio Acre; com todos esses ingredientes negativos, muitas pessoas
evitavam-no de usar, principalmente, no período das enchentes (alagados) que
tinha fortíssimas e perigosas correntezas. Estávamos vivendo esse período.
Por causa de todos esses atributos ao barco,
a população denominou-o com o nome de: “JABUTI”. Preguiçoso e vagaroso, igualzinho
a uma ‘jabota ovada’.
Mas era pontual. Partia no horário
determinado com passageiro ou sem ele. Tinha o mesmo sistema das catraias, um
condutor e os dois remos.
Na hora de zarpar, tinha que subir o rio
alagado (remar contras as fortes correntezas), deslocando-se até uma determinada
distância, para só depois, de rio abaixo fazer a perigosa travessia. Se não
fizesse esse procedimento (devido o seu peso), não conseguiria ancorar no ponto
de desembarque do outro lado e vice-versa.
E o grande Jabuti zarpou. Inicialmente seu
movimento era feito perto da beira (margem) do rio por serem as forças das
águas mais fracas.
O condutor passou a remar e o cascudo barco
“O Jabuti”, lentamente começava os seus primeiros movimentos n’água.
Tão devagarzinho devido o seu tamanho e peso,
além dos passageiros, que parecia (nos dava essa impressão) que o barco ainda
estava parado no mesmo lugar. Mas estava se deslocando. – Ah, mais estava! Aos passos de jabuti, com
aquela “calmiiinha”.
O condutor, porém, com os braços e as mãos
usava todas suas forças nos dois remos. E o Jabuti lentamente ia subindo o rio,
travando uma luta danada contra as fortes correntezas, com se elas dissessem: “Eu
não vou deixar você subir”.
De repente: fixei o meu olhar no condutor do
cascudo e notei que ele, era um homem já de meia idade, bem franzino.
Também percebi em seu olhar, um olhar
distante (no horizonte) parecia nos ignorar (os passageiros).
O que ele estaria a pensar naquele momento
tão inoportuno. Gostaria imensamente de saber.
Nisso o Jabuti ainda continuava subindo pelas
margens do rio de águas barrentas bem calmamente, quase parando. Mas o
manobreiro usava todas suas forças para vencer as traiçoeiras correntezas.
Finalmente, o lento barco consegue chegar ao
limite do ponto imaginário de subida, para só então, o condutor manobrar o
barco para a travessia.
Numa fração de segundos, aquele homenzinho
franzino, de braços finos, num movimento rápido e bem profissional (de quem
entende muito da coisa) começa a descer com o barco de rio abaixo. Agora ele tem
ao seu lado o apoio (ajuda) das fortíssimas correntezas.
Vai remando com mais força física ainda para
o meio do rio e manobrando a embarcação para outro lado da margem; o barco toma
a posição diagonal às águas; as batidas e o chacoalhar no lado do casco fazem o
barco balançar; rapidamente, o Jabuti ganha um rápido desenvolvimento. As
correntezas aumentam de força e volume, assustando todos! Já no meio da
travessia, a velocidade adquirida é ainda maior.
Como aquele cascudo tão lento e paciente,
subitamente consegue atingir tamanha rapidez.
Ficava eu a pensar: como aquele pequeno e
magro homem alcançava essa incrível proeza. Tinha receio de ele não ter força
suficiente para vencer as forças das águas do rio alagado, e não conseguir
ancorar do outro lado do rio, no lugar certinho de desembarque, no ponto do
Jabuti no 2° Distrito de Rio Branco.
Missão cumprida. Todos sãos e salvos! Já em
terra firme (fora do barco) eu e meu irmão Moacir, aliviados do susto que
passamos. Ufa!
Olhei pra trás, e vi o grande barco Jabuti
(inerte) e o seu franzino condutor (ambos aptos) para a próxima partida lenta
ou veloz, “Se Deus Quiser”.
CATRAIA E O TEMPO
Gilberto A. Saavedra
Oh, minha Catraia valente,
Que corta o vento e o tempo,
Anda com a gente
Nas águas barrentas do afluente
Até sucumbir
No seu juízo final.
Oh, minha Catraia querida,
Dos tempos idos
Não posso te ignorar.
Com chuva ou sem chuva!
Sol ou sem Sol!
Levava-me pra lá e pra cá
Num trabalho incessante
Sem hora pra terminar.
Catraieiro experiente
Já cedo no batente
Alvorada no convés
Homem de braços fortes
Músculo vigoroso, trabalhado,
Não pela vaidade, mas pela necessidade.
Mãos calejadas do remo
Rugas profundas na face envelhecida
Marcadas pelo tempo e o sofrimento
Não te deram rosto
E nem nome na história
Mas o teu legado
Catraieiro anônimo
“Jamais será esquecido”.
GILBERTO DE ALMEIDA SAAVEDRA nasceu no Acre,
mas reside na cidade do Rio de Janeiro. É jornalista e radialista. Com uma
história marcante no rádio acreano, de modo especial pelas ondas da Rádio
Difusora Acreana, a voz das selvas.
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DOM HÉLDER CÂMARA
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