Os árabes, predominantemente os libaneses e
sírios, participaram de forma eficaz e positiva do desbravamento e colonização
do Acre, inclusive de maneira espontânea, fizeram parte do Exército de Plácido
de Castro e vários foram considerados heróis.
Chegados ali, no século 18, juntamente com os nordestinos, embora de hábitos e idiomas diferentes, logo se identificaram com os nativos, adaptando-se ao meio que os acolheu. Jovens, robustos, otimistas e corajosos, souberam vencer as dificuldades numa terra ainda imatura. Dedicaram-se às mais variadas atividades: pescadores, estivadores, barbeiros, comerciantes, seringalistas, pecuaristas e trabalhadores braçais. Contudo, a vocação fenícia influenciou a maioria, que optou pelo comércio, incialmente como mascates, transportando pesadas cargas às costas pelo interior dos seringais ou regateando pelos rios e igarapés.
Grande parte era destituída de cultura e por isso assimilava com dificuldade o nosso idioma, dir-se-ia apenas o suficiente para se comunicar. Conhecemos alguns lances até pitorescos e merecedores de registro, porque muitos, na sua ingenuidade linguística, procuravam se expressar de qualquer maneira.
Chegados ali, no século 18, juntamente com os nordestinos, embora de hábitos e idiomas diferentes, logo se identificaram com os nativos, adaptando-se ao meio que os acolheu. Jovens, robustos, otimistas e corajosos, souberam vencer as dificuldades numa terra ainda imatura. Dedicaram-se às mais variadas atividades: pescadores, estivadores, barbeiros, comerciantes, seringalistas, pecuaristas e trabalhadores braçais. Contudo, a vocação fenícia influenciou a maioria, que optou pelo comércio, incialmente como mascates, transportando pesadas cargas às costas pelo interior dos seringais ou regateando pelos rios e igarapés.
Grande parte era destituída de cultura e por isso assimilava com dificuldade o nosso idioma, dir-se-ia apenas o suficiente para se comunicar. Conhecemos alguns lances até pitorescos e merecedores de registro, porque muitos, na sua ingenuidade linguística, procuravam se expressar de qualquer maneira.
Nesse rol encontrava-se o libanês Jorge Kury,
percorrendo o rio Acre em sua canoa movida a varejão e faia, com o toldo de
palha de forma convexa, no qual, internamente, eram colocadas pequenas
prateleiras, onde expunha as bijuterias, tecidos, remédios e perfumes, tomando
o ambiente, embora desconfortável, convidativo aos olhos de quem se aproximasse
daquele improvisado bazar flutuante... Ao avistar uma barraca, logo ancorava e
assoprando a buzina, instrumento de chifre de boi, para avisar ao morador de
sua presença no porto. Geralmente, o seringueiro se encontrava distante, na sua
faina diuturna, percorrendo as “estradas”, extraindo látex das seringueiras e
preparando a borracha. Ao som do apito, raramente ouvido, aparecia a mulher,
como sempre acompanhada dos filhos ainda menores.
Ela logo se acocorava, cuidadosamente, com o
vestido de chita formando um seio entre as pernas e fumando invariavelmente
cachimbo, com a fisionomia externando júbilo, pois aquela pessoa mesmo
desconhecida, servia para dar-lhe alento e quebrar a rotina do cotidiano. No seu
universo, ante o inusitado, o mascate dava-lhe a dimensão de um ser superior...
Entre a margem do rio e o topo do barranco,
na fase estival, há uma diferença de mais de cem metros. À subida íngreme,
somada à fadiga da viagem, pela distância e pelo desconforto como uma das
tônicas do seu dia-a-dia, desanimava qualquer Sansão... Kury, ao avistar a
mulher, mesmo diante da sua abstinência sexual, seu ânimo era apenas no
pensamento, pois sabia reprimir o desejo, em respeito à moral e à ética, reconhecendo que qualquer gesto afrontoso
traria consequências negativas ao seu
comércio e à sua própria vida.
Mas o diálogo, após uma longa viagem, na qual
cantarolava para afugentar a solidão, era imediatamente mantido à distância e
aos gritos, com expressões simplistas, porém suficientes para ser compreendido.
– Cumade, cumpade taí?
– Tá não!...
– Bucê-tá-bôa?
– Tô, cumpade!...
– Qué cumbrá alguma côssa?
– Sei não!... O Chico num tá!...
E o mascate, na ânsia de vender, com
fisionomia risonha, insistia:
– Tem tudo: chita, morim, voal, algodão, café, sal, pimenta,
sabonete Bristol, sabão Zebu e Borboleta, arnica brá bancada, esbecífico Bessoa
brá bicada de cobra, outro específico brá doença de menino, bílula do Dr.
Matos, jalaba e bião, de vida, salsabarrilha, água inglesa brá mulher barida,
mururé, cabeça de negro brá limbar o sangue, vinho fortificante Dr. Silva
Araújo, cafiasbirina, berfume e brilhantina francesa da marca fô-de-amô...
Com a resposta negativa, desancorava e
prosseguia sua viagem lenta, remando contra a correnteza e animado com o seu
labor. Vendendo mercadorias e comprando peles silvestres, borracha, sernambi,
caucho e castanhas, levando notícias como bálsamo àquelas criaturas simples,
boas e distantes de tudo e de todos, ilhados nas selvas ínvias.
O “regatão” era por excelência uma figura
singular e querida, que se afinava com a sua clientela. Era o mensageiro das
informações, como se fora um novo anjo, trombeteando as boas novas... Muitas
vezes fustigador, para dessa maneira usufruir resultados positivos, nem sempre
compreendido, ante a concorrência que oferecia.
Podemos afirmar que era com; e a pertinência
da sua atividade, somada à sua presença periódica naqueles confins, tinha o
significado de seres vindos do céu!...
KALUME, Jorge. Doces Recordações: crônicas. Rio Branco: s/e, 1995. p.21-23
KALUME, Jorge. Doces Recordações: crônicas. Rio Branco: s/e, 1995. p.21-23
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