Blog do Anchieta
Pe. Antonio Tomaz |
O padre-poeta e poeta-padre, após cumprir na Terra uma jornada de 73 anos, entre sacramentos e poesias, faleceu em 16 de julho de 1941, em Fortaleza, para onde se transferira ao final da vida, em busca de tratamento para sua debilitada saúde.
Sobre a vida e a obra deste grande poeta, sua sobrinha, poetisa e escritora, Dinorá Tomaz Ramos, publicou, em 1950, o livro “Padre Antonio Tomaz – O Príncipe dos Poetas Cearenses”, do qual extraí um trecho que resume a criatura que era este colossal poeta:
“... De acordo com as suas disposições testamentárias, foi o cadáver sepultado sem ataúde, não sendo colocada no local nenhuma lápide, nenhuma inscrição, nenhum nome, sem sequer uma data para assinalar que ali jazem os restos mortais do Reverendo Padre Antonio Tomaz, virtuoso Sacerdote Católico, consagrado Príncipe dos Poetas do Ceará. Como se vê, quis morrer como viveu, na mais inviolável obscuridade. Nunca publicou os seus versos. Eram os amigos que levavam à imprensa cópia de suas produções. Deixou a proibição de que fossem os mesmos enfaixados em livro. Não quis, ao menos, que um epitáfio marcasse a sua mansão mortuária. Já muito doente, na Santa Casa de Sobral, que o acolhera, improvisou no dia 3 de maio de 1941, a instâncias de um amigo que o visitara, o seu último soneto – DESENCANTO -, abaixo transcrito, que bem exprime o estado da alma e do corpo em que então se encontrava. Foi Padre durante meio século. Morreu como vivera: desprendido, serenamente, discretamente”.
DESENCANTO
Muitas vezes cantei, nos tempos idos,
Muitas vezes cantei, nos tempos idos,
Acalentando sonhos de
ventura;
Então da lira a voz
suave e pura
Era-me um gozo d’alma
e dos sentidos.
Hoje vejo esses sonhos convertidos
Num acervo de penas e
amargura,
E percorro da vida a
estrada escura
Recalcando no peito
os meus gemidos.
E, se tento cantar como remédio
Às minhas mágoas, ao
sombrio tédio
Que lentamente as
forças me quebranta,
Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços
de quem chora
Do que a doce toada
de quem canta.
Desejo aqui destacar um soneto historicamente
atribuído ao Padre Antonio Tomaz, mas que, talvez pelo assunto que aborda, sua
sobrinha Dinorá afirma não pertencer ao reverendo. Apesar disso, as publicações
havidas em jornais e revistas, sempre lhe atribuíram a autoria:
NOITE DE NÚPCIAS
Noite de gozo, noite de delícias,
Noite de gozo, noite de delícias,
Aquela em que a noiva
carinhosa,
Vai do seu noivo
receber carícias
No leito sobre a
colcha cor-de-rosa.
Sonha acordada coisas fictícias,
Volvendo-se sobre o
leito, voluptuosa,
E o anjo de amor e de
carícias
Fecha a cortina tênue
e vaporosa.
Ouvem-se beijos tímidos, ardentes,
Por baixo da cortina
assim velada,
Entre suspiros
tristes e dolentes.
Se fitássemos a noiva agora exangue,
Vê-la-íamos bem
triste e descorada
E o leito nupcial banhado em
sangue.
Finalmente, para concluir esta humilde
homenagem ao grande poeta das Terras de José de Alencar, brindamos nossos
leitores com os sonetos “VERSO E REVERSO”, “CONTRASTE” e “O PALHAÇO”,
certamente os mais conhecidos dentre os que escreveu o reverendo:
VERSO E REVERSO
Essa mulher, de face escaveirada,
Essa mulher, de face escaveirada,
Que vês tremendo em
ânsias de fadiga,
Estendendo a quem
passa a mão mirrada,
Foi meretriz antes de
ser mendiga.
Fugiu-lhe breve, desta vida airada,
A mocidade, a doce e
quadra amiga,
E chegou a ser velha
e desgraçada,
Antes do tempo, a
quanto o vício obriga!
Ontem, de gozo e de volúpia ardente
Fosse a quem fosse,
dava a qualquer hora
O seio branco e o
lábio sorridente
Hoje - triste sina! - embalde chora,
Pedindo esmola àquela
mesma gente
Que de seus beijos se
fartara outrora.
CONTRASTE
Quando partimos no verdor dos anos,
Da vida pela estrada
florescente,
As esperanças vão
conosco à frente,
E vão ficando atrás
os desenganos.
Rindo e cantando, céleres e ufanos,
Vamos marchando
descuidosamente...
Eis que chega a
velhice de repente,
Desfazendo ilusões,
matando enganos.
Então nós enxergamos claramente
Como a existência é
rápida e falaz,
E vemos que sucede
exatamente
O contrário dos tempos de rapaz:
– Os desenganos vão
conosco à frente
E as esperanças vão
ficando atrás.
O PALHAÇO
Ontem viu-se-lhe em casa a esposa morta
E a filhinha mais
nova tão doente!
Hoje, o empresário
vai bater-lhe à porta,
Que a platéia o
reclama impaciente.
Ao palco em breve surge... Pouco importa
O seu pesar àquela
estranha gente...
E ao som das ovações
que os ares corta,
Trejeita, e canta, e
ri nervosamente.
Aos aplausos da turba ele trabalha
Para esconder no
manto em que se embuça
A cruciante angústia
que o retalha,
No entanto a dor cruel mais se lhe aguça
E enquanto o lábio
trêmulo gargalha,
Dentro do peito o
coração soluça.
Caro Anchieta,
ResponderExcluirTenho 109 sonetos do padre Antonio Thomaz; 20 a mais que o livro de Dinorá Tomás. Em sua opinião devo editar um livro? Haveria interesse?
Atenciosamente,
Aldeny
aldenyfonseca@gmail.com
Beleza de resposta...
ResponderExcluirCaro Anchieta, gostei muito da sua postagem.
ResponderExcluirEsse soneto Desencanto foi dedicado a um primo meu, padre, poeta e professor, conhecido como padre Osvaldo Carneiro Chaves, filho de Granja Ceará e hoje residente em Sobral Ceará com 96 anos.
Foi exatamente a uma visita à Santa Casa de Sobral, que padre Osvaldo, ainda seminarista, com 17 anos e movido pela grande admiração que ele tinha ao Antônio Tomaz, dedicou-lhe um soneto e que, em sinal de retribuição ou admiração pelo seminarista, dedicou o soneto desencanto que até hoje padre Osvaldo guarda o original com muito zelo.
Aqui está o soneto que padre Osvaldo dedicou ao Padre Antônio Tomaz.
Padre Antônio Tomaz
Nas brancas praias do cerúleo mar
Do Acaraú, Jardim em que nasceste,
Como flor, entre espinhos tu cresceste
Ó grande dos poetas luminar.
Quisera em minha lira então cantar
A glória dos poemas que escreveste
E o martírio de luz em que viveste
Meus passos de novel a clarear.
E por isso, em sinal de gratidão
Já te guardou bem junto ao coração
Minha alma sonhadora a que pertences.
Como um vassalo aos pés do rei faustoso
Curvo-me, pois, humilde e respeitoso
Ao príncipe dos poetas cearenses.