segunda-feira, 1 de maio de 2017

SEXTO PROPÉRCIO (elegia II 15)

Sexto Propércio (47 a.C.-14 d.C.)


Feliz de mim! Ó noite luminosa! E tu, querido leito,
como te tornaste feliz com os prazeres que eu vivi!
Quantas palavras nos dissemos com a lâmpada ainda acesa
e que lutas nós travamos depois que se apagou a luz!
Por vezes ela combateu comigo com os seios nus;
por vezes sua túnica fechada construiu um obstáculo.
Com seus lábios ela abria meus olhos cerrados pelo sono
e me dizia: “É assim, preguiçoso? Dormes?”
quantos abraços diferentes nós nos demos!
Que beijos tão longos pousei em tua boca!
Não é bom estragar os dons de Vênus com movimentos cegos;
se não sabes, os olhos são os guias no amor.
Dizem que o próprio Páris se perdeu pela moça da Lacônia
quando ela se levantou nua do leito de Menelau.
Foi nu que Endimião conquistou a irmã de Febo
e dizem que se deitou com a Deusa também nua. Portanto,
se, persistindo em tua determinação, te deitares vestida,
provarás o vigor de minhas mãos nas vestes rasgadas
e se a raiva me levar mais para longe,
mostrarás a tua mãe as marcas em teus braços.
Ainda não te impedem de te divertires seios decadentes;
que pense de outra forma quem tiver vergonha por ter sido mãe.
Enquanto os fados nos permitem, saciemos nossos olhos no amor.
A longa noite chegará a ti e o dia jamais há de voltar.
Oxalá quisesses que fôssemos atados juntos por uma cadeia
e nenhum dia, jamais, poderia libertar-nos.
Que te sirvam de modelo as pombinhas vencidas pelo amor:
o macho e a fêmea constituem o casal.
Está errado quem supõe que exista fim de um amor apaixonado;
o amor verdadeiro jamais conheceu qualquer limitação.
A terra enganará o agricultor com uma falsa produção,
o Sol conduzirá pelo espaço cavalos negros
e os rios farão as águas voltarem à nascente
e os peixes viverão sedentos num abismo seco
antes que eu possa transferir para uma outra o amor que sinto.
Dela eu serei, vivo; morto, eu serei dela.
Se ela me conceder outras noites, serei imortal por causa delas:
Qualquer um pode ser um deus em apenas uma noite como essa.
Se todos desejassem passar a vida assim
e deitar-se como os membros encharcados de muito vinho,
o ferro cruel não existiria, não existiriam navios de guerra,
o mar de Ácio não revolveria nossos ossos
e Roma, perseguida tantas vezes pelos próprios triunfos,
não haveria de soltar, desfalecida, seus cabelos.
Isto, a posteridade poderá louvar-me com justiça:
minhas taças jamais ofenderam os Deuses!
E tu, enquanto brilha a luz, não desprezes os frutos da vida.
Mesmo se deres todos os beijos, terás dado poucos.
Assim como abandonam as flores secas
as pétalas que vês boiar, caídas sobre os corpos,
assim também a nós, que agora, como amantes, esperamos grandes coisas,
o dia de amanhã talvez nos traga a morte.


NOVAK, Maria da Glória; NERI, Maria Luiza (orgs.). Poesia lírica latina. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.139-141-143

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