quinta-feira, 12 de outubro de 2017

LENDA DO TAMBATAJÁ (versão taulipangue)

Foto: Carlos Macapuna


Uma índia macuxi fugiu da Maloca Bonita, no rio Surumu, com o filho de um tuxaua taulipangue.
Os pais e parentes dela ficaram zangados. E os pais e parentes dele, também.
Mas a moça macuxi e o moço taulipangue não se importaram com a zanga dos velhos, porque se queriam muito na força do seu desejo.
E foram morar para as bandas da Serra da Lua, do outro lado do rio Tacutu, onde viviam uns parentes dele.
E nunca se separavam.
Se ele ia pescar, ela ia também.
Se ele ia banhar-se, ela ia também.
Se ele ia caçar, ela ia também.
Se ele ia para a roça, ela ia também.
Nove meses depois a índia sentiu que ia ser mãe.
Assim, à hora em que o sol de verão obriga a toda gente (e mesmo os animais) a repousar na sombra, ela se encaminhou para a beira do rio Tucutu.
E lá onde encontrou um chão bem limpo, debaixo das ramas do ingá-i, pariu um menino.
O corpo dele era enregelado como a pele e roxo como a tinta do jenipapo.
E, enquanto mirava a criança com tristeza e lhe ia tirando as peles do corpinho, viu que nem mexia os braços e nem mexia as pernas.
Sentou-se, por isso, junto à água e nela a mergulhou três vezes. E três vezes lhe deu leves palmadas nas costas e nas pernas para a animar.
Mas a criança não se mexeu nem chorou. E arquejava. E todo o seu corpo tremia.
A mulher tentou levantar-se. Doíam-lhe os quadris e suas pernas não lhe sustentavam o corpo.
Então, gritou, gritou, gritou.
E parecia que o vento dos campos, soprando sobre as serras e os rios, não deixaria nunca, nunca, que alguém a ouvisse.
Mas as mulheres e curumis que vinham banhar-se, a ouviram. E foram no rumo daqueles gritos.
A índia estava ali. Tinha um menino morto nos braços. E não podia levantar-se.
Um dos curumis foi chamar o companheiro da índia. Vieram muitos homens com ele.
Uma das velhas, chamando as outras, havia cochichado:
– Essa não respeitou os conselhos que lhe deram quando enluou pela primeira vez. E a zanga dos pais dela a ensaruou.
O home tirou a criança dos braços da companheira e a entregou à velha que estava cochichando.
Levantou-a da beira do rio e a levou para casa.
Ela chorava baixinho e pedia que lhe devolvessem o filho.
E assim continuou, deitada na rede que tecera.
Num canto da maloca as velhas estavam passando urucu e carajuru no cadáver da criança.
No dia seguinte as mesmas velhas embrulharam aquele cadáver numa esteira.
E o enterraram no campo, pouco distante da maloca, sob um tapirizinho que elas mesmas levantaram.

No outro dia veio do lado inglês um velho pajé.
Dançou e cantou, até a noite, em redor da rede da índia. Soprou fumaça de cigarro sobre o corpo dela. Bateu folha nas suas pernas, nos seus braços e quadris.
E voltou para o lado inglês, dizendo que a mulher, noutro dia, se levantaria sozinha.
A mulher, porém, nunca mais pôde andar.
Então, (como nos primeiros dias em que ambos tinham começado a viver juntos) o homem passou a levar a paralítica por toda a parte,
Se ia caçar, levava a mulher também.
Se ia pescar, levava a mulher também.
Se ia para a roça, levava a mulher também.

Um dia saíram pelo campo comendo mangaba e murici. O homem a levava às costas.
O Sol foi embora. Veio a Lua. Veio o Sol. Depois veio a Lua.
E assim aconteceu durante muitos dias.
Muita gente já andava à procura deles. Andava daqui, andava dali, no rastro do peréqueté do homem.
E só depois de muitos, muitos dias, encontraram o arco, as flechas e o pérequeté do homem, a tanga, o pananpanan, os brincos e as pulseiras da índia.
Mas, ao redor dessas coisas, encontraram, também, moitas de um tajá, de um verde brilhante, que não conheciam.
Do corpo da índia e do companheiro teria nascido aquela planta, cujas folhas, na página inferior, mostravam uma outra folha semelhante a um sexo de mulher.


PEREIRA, Nunes. Moronguêtá: um Decameron indígena (Vol.1). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1980. p.70-72

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