Foto: Carlos Macapuna |
Uma
índia macuxi fugiu da Maloca Bonita, no rio Surumu, com o filho de um tuxaua
taulipangue.
Os
pais e parentes dela ficaram zangados. E os pais e parentes dele, também.
Mas
a moça macuxi e o moço taulipangue não se importaram com a zanga dos velhos,
porque se queriam muito na força do seu desejo.
E
foram morar para as bandas da Serra da Lua, do outro lado do rio Tacutu, onde
viviam uns parentes dele.
E
nunca se separavam.
Se
ele ia pescar, ela ia também.
Se
ele ia banhar-se, ela ia também.
Se
ele ia caçar, ela ia também.
Se
ele ia para a roça, ela ia também.
Nove
meses depois a índia sentiu que ia ser mãe.
Assim,
à hora em que o sol de verão obriga a toda gente (e mesmo os animais) a
repousar na sombra, ela se encaminhou para a beira do rio Tucutu.
E
lá onde encontrou um chão bem limpo, debaixo das ramas do ingá-i, pariu um
menino.
O
corpo dele era enregelado como a pele e roxo como a tinta do jenipapo.
E,
enquanto mirava a criança com tristeza e lhe ia tirando as peles do corpinho,
viu que nem mexia os braços e nem mexia as pernas.
Sentou-se,
por isso, junto à água e nela a mergulhou três vezes. E três vezes lhe deu
leves palmadas nas costas e nas pernas para a animar.
Mas
a criança não se mexeu nem chorou. E arquejava. E todo o seu corpo tremia.
A
mulher tentou levantar-se. Doíam-lhe os quadris e suas pernas não lhe
sustentavam o corpo.
Então,
gritou, gritou, gritou.
E
parecia que o vento dos campos, soprando sobre as serras e os rios, não
deixaria nunca, nunca, que alguém a ouvisse.
Mas
as mulheres e curumis que vinham banhar-se, a ouviram. E foram no rumo daqueles
gritos.
A
índia estava ali. Tinha um menino morto nos braços. E não podia levantar-se.
Um
dos curumis foi chamar o companheiro da índia. Vieram muitos homens com ele.
Uma
das velhas, chamando as outras, havia cochichado:
–
Essa não respeitou os conselhos que lhe deram quando enluou pela primeira vez. E
a zanga dos pais dela a ensaruou.
O
home tirou a criança dos braços da companheira e a entregou à velha que estava
cochichando.
Levantou-a
da beira do rio e a levou para casa.
Ela
chorava baixinho e pedia que lhe devolvessem o filho.
E
assim continuou, deitada na rede que tecera.
Num
canto da maloca as velhas estavam passando urucu e carajuru no cadáver da
criança.
No
dia seguinte as mesmas velhas embrulharam aquele cadáver numa esteira.
E
o enterraram no campo, pouco distante da maloca, sob um tapirizinho que elas
mesmas levantaram.
No
outro dia veio do lado inglês um
velho pajé.
Dançou
e cantou, até a noite, em redor da rede da índia. Soprou fumaça de cigarro
sobre o corpo dela. Bateu folha nas suas pernas, nos seus braços e quadris.
E
voltou para o lado inglês, dizendo
que a mulher, noutro dia, se levantaria sozinha.
A
mulher, porém, nunca mais pôde andar.
Então,
(como nos primeiros dias em que ambos tinham começado a viver juntos) o homem
passou a levar a paralítica por toda a parte,
Se
ia caçar, levava a mulher também.
Se
ia pescar, levava a mulher também.
Se
ia para a roça, levava a mulher também.
Um
dia saíram pelo campo comendo mangaba e murici. O homem a levava às costas.
O
Sol foi embora. Veio a Lua. Veio o Sol. Depois veio a Lua.
E
assim aconteceu durante muitos dias.
Muita
gente já andava à procura deles. Andava daqui, andava dali, no rastro do peréqueté do homem.
E
só depois de muitos, muitos dias, encontraram o arco, as flechas e o pérequeté do homem, a tanga, o pananpanan, os brincos e as pulseiras da
índia.
Mas,
ao redor dessas coisas, encontraram, também, moitas de um tajá, de um verde
brilhante, que não conheciam.
Do
corpo da índia e do companheiro teria nascido aquela planta, cujas folhas, na
página inferior, mostravam uma outra folha semelhante a um sexo de mulher.
PEREIRA, Nunes. Moronguêtá: um Decameron indígena (Vol.1). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1980. p.70-72
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