sábado, 23 de dezembro de 2017

OS DOIS IRMÃOS LÁZARO E CATERPILLAR

GILBERTO A. SAAVEDRA – Rio de Janeiro
O contador de histórias acreanas não contadas

Esta narrativa não é uma história de reis, rainhas ou heróis, porquanto de duas pessoas simples e que, por suas excentricidades, se tornaram conhecidíssimas e queridas na cidade. Lázaro ficou popular pelas suas abafadas, curtas e estranhas gargalhadas, e o Caterpillar por suas aventuras de andar de bicicletas só em velocidade máxima.

Quem conviveu com esse tempo de 1950/60 em Rio Branco/Acre, se recordará das peripécias desses dois irmãos.

Lázaro e Caterpillar (apelido do segundo), pois não consegui descobrir o seu nome, eram filhos de uma família bem humilde.

Os dois irmãos residiam com os seus pais na cidade de Rio Branco – capital do Acre.

A residência estava situada no bairro José Augusto, na parte próxima do término do campo dos Guimarães que, iniciava no final do bairro do IPASE, indo até um campo de futebol.

Era uma casa muito simples (extremamente pobre); as paredes e o telhado foram construídos de palhas (folhas de palmeiras).

Numa parte, dava-se para notar, que o piso era de barro batido (saibro). À noite, várias redes de dormir eram armadas nos caibros do telhado.

Nesse tempo em Rio Branco, ainda existiam muitos casebres desses tipos. Notava-se muitos ainda em colônias.

Na pequena morada, não havia energia elétrica; várias lamparinas iluminavam o ambiente familiar.

Não sei quantas pessoas da família residiam ali. Também, não sei dizer se o Lázaro e Caterpillar tinham outros irmãos.

Sempre que passava nessa rua e, em frente do casebre, dava para notar mais gente (bem mais jovens) dentro da residência, talvez, parentes.

No campo dos Guimarães, havia em abundância um imenso goiabal; também muitos pés de Cajá (docinhas). Os meninos caíam dentro.

Lá, também tinha uma vertente (de águas cristalinas); alguns moradores da área, diziam já terem visto o aparecimento da Mãe D’Água.

Eu e os colegas de times de futebol, vimos várias vezes, o Lázaro se banhando nessa vertente d’água. Ficava perto de sua casa.

Tomei também muito banho lá (depois das peladas de futebol), mas sempre preocupado (medo) com essa aparição, de surgir na hora, me enfeitiçar e querer me levar (puxar) para o fundo da vertente (eu deveria ter uns 12 anos).

Dizem que era uma moça de cabelos negros e longos de uma beleza fascinante.

O Lázaro deveria ter no máximo de 25/30 anos.

Tinha estatura alta, aproximadamente um metro e oitenta e cinco; sempre barbudo (barba e cabelos cheios sem corte); seu rosto tinha uma pele com uma palidez acentuada.

Sempre vestindo no cotidiano uma indumentária constituída de blusões e calças largas (folgadas no corpo); caminhava rápido, sempre com os grandes pés descalços e um olhar de cabeça baixa; sorridente para quem lhe dirigisse algumas palavras.

Era só o que o Lázaro sabia fazer: sorrir!

Ficou conhecido na cidade pela sua maneira diferente (engraçada) e esquisita de soltar às suas gargalhadas, sons abafados e curtos (cortados repentinamente).

Quando se pensava que o Lázaro estava apenas começando a rir com suas famosas gargalhadas, mas ele já estava findando-a.

Por esse motivo, essa maneira de ser, de responder a todos somente com sorrisos e gargalhadas, muita gente se aproveitava das ocasiões, somente, para ouvir o Lázaro executar suas estranhas e inesquecíveis gargalhadas para se divertir.

Porém, era uma pessoa de bom coração que, não fazia mal a ninguém.

Seu ponto predileto era em frente da catedral Nossa Senhora de Nazaré, durante as missas ou os arraiais. Ele ficava lá no seu cantinho, quietinho sem perturbar ninguém. Lázaro já era um velho conhecido dos padres (Servos de Maria).

Lázaro não pedia esmola; também não respondia o que lhe perguntavam, apenas, ‘sorria’. Às crianças ele sorria mais. Elas gostavam dele e ficavam à sua volta.

Todos desse tempo se recordarão do grandalhão que, somente sabia ‘sorrir e sorrir’, seu jeito de ser, a marca registrada de “Lázaro”.


O PERSONAGEM CATERPILLAR

Acredito pela aparência que, ele seria mais jovem. Diferente do seu irmão Lázaro que não abria o bico para responder nada, Caterpillar era bem despachado. Ele trabalhava e até namorava.

Caterpillar não tinha estatura alta como o seu irmão Lázaro; era de altura mediana, não usava barba, só bigode.

Ficou conhecido em Rio Branco pelo seguinte motivo.

A cidade estava crescendo; expandindo-se ruas e lugares.

Muitas movimentações nos bairros, de máquinas (tratores) da marca “Caterpillar”, trabalhando nas benfeitorias das ruas.

Era um barulho infernal dos roncos dos poderosos motores, dessas máquinas a diesel. Mas, os meninos (crianças) adoravam ficar olhando.

Quando o trator vinha e passava ao lado das crianças com sua possante e afiada lâmina, cortando e deixando bem lisinho e brilhante, o barro vermelho, logo em seguida, os moleques corriam para cima do barro escorregadio (no meio da rua), querendo deslizar (havia uma ladeira) no barro liso deixado pela máquina.

Quando o trator iniciava o retorno, (em suas idas e vindas), pelo barulho ensurdecedor crescendo, os moleques entendiam que ele estava voltando e pulavam fora da rua.

O nosso personagem que trabalhava na Prefeitura, presenciava todos os dias, essa alegria (brincadeira) das crianças com os tratores da Caterpillar.

Passado algum tempo, foi instalada no bairro do Bosque, perto da descida da Getúlio Vargas, uma casa comercial para alugar bicicletas.

Era gente querendo alugar bicicletas que não acabava mais. Nenhuma magrela se conseguia na hora.

Nosso personagem (Caterpillar) tratou logo, também, de conseguir um horário.

Quando arranjava um tempo ficava o dia inteiro.

Primeiro ele teve que aprender a andar de bicicletas; foram muitas quedas e tempo.

Ao aprender a andar de kalanga, só pedalava em alta velocidade. De longe o transeunte já escutava que ele e a sua bicicleta estavam se aproximando.

Ele para não atropelar ninguém com sua bike, ao se aproximar de uma pessoa, começava a fazer um barulho forte na boca, imitando um trator Caterpillar (daí o apelido).

Quando ele vinha pedalando, já se ouvia o alto ronco “Brooommm” (= motor), produzido pela sua garganta e boca.

Dizem as más línguas (as boas ficam caladas) que ele gastava todo o seu salário do mês em alugueis de bicicletas.

Ele gostava de se divertir com elas; adorava colocar uma camisa branca de punho, por dentro da calça e um sapato novo. Presenciei várias vezes essas cenas.

Caterpillar adorava descer em alta velocidade a ladeira da maternidade Bárbara Heliodora no Bosque.

Sua imensa velocidade alcançada pela magrela era tanta que, por trás, sua camisa branca de punho vibrava tanto com o vento que, parecia mais um balão inflável flexível querendo subir, de tão cheia de ar.

Se o Caterpillar fosse magrinho o vento o teria levado no ar.

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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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