O contador de histórias acreanas não contadas
Esta narrativa não
é uma história de reis, rainhas ou heróis, porquanto de duas pessoas simples e
que, por suas excentricidades, se tornaram conhecidíssimas e queridas na
cidade. Lázaro ficou popular pelas suas abafadas, curtas e estranhas
gargalhadas, e o Caterpillar por suas aventuras de andar de bicicletas só em
velocidade máxima.
Quem conviveu com
esse tempo de 1950/60 em Rio Branco/Acre, se recordará das peripécias desses
dois irmãos.
Lázaro e
Caterpillar (apelido do segundo), pois não consegui descobrir o seu nome, eram
filhos de uma família bem humilde.
Os dois irmãos
residiam com os seus pais na cidade de Rio Branco – capital do Acre.
A residência estava
situada no bairro José Augusto, na parte próxima do término do campo dos
Guimarães que, iniciava no final do bairro do IPASE, indo até um campo de
futebol.
Era uma casa muito
simples (extremamente pobre); as paredes e o telhado foram construídos de
palhas (folhas de palmeiras).
Numa parte, dava-se
para notar, que o piso era de barro batido (saibro). À noite, várias redes de
dormir eram armadas nos caibros do telhado.
Nesse tempo em Rio
Branco, ainda existiam muitos casebres desses tipos. Notava-se muitos ainda em
colônias.
Na pequena morada,
não havia energia elétrica; várias lamparinas iluminavam o ambiente familiar.
Não sei quantas
pessoas da família residiam ali. Também, não sei dizer se o Lázaro e
Caterpillar tinham outros irmãos.
Sempre que passava
nessa rua e, em frente do casebre, dava para notar mais gente (bem mais jovens)
dentro da residência, talvez, parentes.
No campo dos
Guimarães, havia em abundância um imenso goiabal; também muitos pés de Cajá
(docinhas). Os meninos caíam dentro.
Lá, também tinha
uma vertente (de águas cristalinas); alguns moradores da área, diziam já terem
visto o aparecimento da Mãe D’Água.
Eu e os colegas de
times de futebol, vimos várias vezes, o Lázaro se banhando nessa vertente
d’água. Ficava perto de sua casa.
Tomei também muito
banho lá (depois das peladas de futebol), mas sempre preocupado (medo) com essa
aparição, de surgir na hora, me enfeitiçar e querer me levar (puxar) para o
fundo da vertente (eu deveria ter uns 12 anos).
Dizem que era uma
moça de cabelos negros e longos de uma beleza fascinante.
O Lázaro deveria
ter no máximo de 25/30 anos.
Tinha estatura alta,
aproximadamente um metro e oitenta e cinco; sempre barbudo (barba e cabelos
cheios sem corte); seu rosto tinha uma pele com uma palidez acentuada.
Sempre vestindo no
cotidiano uma indumentária constituída de blusões e calças largas (folgadas no
corpo); caminhava rápido, sempre com os grandes pés descalços e um olhar de
cabeça baixa; sorridente para quem lhe dirigisse algumas palavras.
Era só o que o
Lázaro sabia fazer: sorrir!
Ficou conhecido na
cidade pela sua maneira diferente (engraçada) e esquisita de soltar às suas
gargalhadas, sons abafados e curtos (cortados repentinamente).
Quando se pensava
que o Lázaro estava apenas começando a rir com suas famosas gargalhadas, mas
ele já estava findando-a.
Por esse motivo,
essa maneira de ser, de responder a todos somente com sorrisos e gargalhadas,
muita gente se aproveitava das ocasiões, somente, para ouvir o Lázaro executar
suas estranhas e inesquecíveis gargalhadas para se divertir.
Porém, era uma
pessoa de bom coração que, não fazia mal a ninguém.
Seu ponto predileto
era em frente da catedral Nossa Senhora de Nazaré, durante as missas ou os arraiais.
Ele ficava lá no seu cantinho, quietinho sem perturbar ninguém. Lázaro já era um
velho conhecido dos padres (Servos de Maria).
Lázaro não pedia
esmola; também não respondia o que lhe perguntavam, apenas, ‘sorria’. Às
crianças ele sorria mais. Elas gostavam dele e ficavam à sua volta.
Todos desse tempo
se recordarão do grandalhão que, somente sabia ‘sorrir e sorrir’, seu jeito de
ser, a marca registrada de “Lázaro”.
O PERSONAGEM CATERPILLAR
Acredito pela
aparência que, ele seria mais jovem. Diferente do seu irmão Lázaro que não
abria o bico para responder nada, Caterpillar era bem despachado. Ele
trabalhava e até namorava.
Caterpillar não
tinha estatura alta como o seu irmão Lázaro; era de altura mediana, não usava
barba, só bigode.
Ficou conhecido em
Rio Branco pelo seguinte motivo.
A cidade estava
crescendo; expandindo-se ruas e lugares.
Muitas
movimentações nos bairros, de máquinas (tratores) da marca “Caterpillar”,
trabalhando nas benfeitorias das ruas.
Era um barulho
infernal dos roncos dos poderosos motores, dessas máquinas a diesel. Mas, os
meninos (crianças) adoravam ficar olhando.
Quando o trator
vinha e passava ao lado das crianças com sua possante e afiada lâmina, cortando
e deixando bem lisinho e brilhante, o barro vermelho, logo em seguida, os
moleques corriam para cima do barro escorregadio (no meio da rua), querendo
deslizar (havia uma ladeira) no barro liso deixado pela máquina.
Quando o trator
iniciava o retorno, (em suas idas e vindas), pelo barulho ensurdecedor
crescendo, os moleques entendiam que ele estava voltando e pulavam fora da rua.
O nosso personagem
que trabalhava na Prefeitura, presenciava todos os dias, essa alegria
(brincadeira) das crianças com os tratores da Caterpillar.
Passado algum
tempo, foi instalada no bairro do Bosque, perto da descida da Getúlio Vargas,
uma casa comercial para alugar bicicletas.
Era gente querendo
alugar bicicletas que não acabava mais. Nenhuma magrela se conseguia na hora.
Nosso personagem
(Caterpillar) tratou logo, também, de conseguir um horário.
Quando arranjava um
tempo ficava o dia inteiro.
Primeiro ele teve
que aprender a andar de bicicletas; foram muitas quedas e tempo.
Ao aprender a andar
de kalanga, só pedalava em alta velocidade. De longe o transeunte já escutava
que ele e a sua bicicleta estavam se aproximando.
Ele para não
atropelar ninguém com sua bike, ao se aproximar de uma pessoa, começava a fazer
um barulho forte na boca, imitando um trator Caterpillar (daí o apelido).
Quando ele vinha
pedalando, já se ouvia o alto ronco “Brooommm” (= motor), produzido pela sua
garganta e boca.
Dizem as más
línguas (as boas ficam caladas) que ele gastava todo o seu salário do mês em
alugueis de bicicletas.
Ele gostava de se
divertir com elas; adorava colocar uma camisa branca de punho, por dentro da
calça e um sapato novo. Presenciei várias vezes essas cenas.
Caterpillar adorava
descer em alta velocidade a ladeira da maternidade Bárbara Heliodora no Bosque.
Sua imensa
velocidade alcançada pela magrela era tanta que, por trás, sua camisa branca de
punho vibrava tanto com o vento que, parecia mais um balão inflável flexível
querendo subir, de tão cheia de ar.
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
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