sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

OS POETAS CELESTES

Pablo Neruda (1904-1973)


Que fizestes vós, gidistas,
intelectualistas, rilkistas,
misterizantes, falsos bruxos
existenciais, papoulas
surrealistas acesas
numa tumba, europeizados
cadáveres da moda,
pálidas lombrigas do queijo
capitalista, que fizestes
ante o reinado da angústia,
frente a este escuro ser humano,
a esta pateada compostura,
a esta cabeça submersa
no esterco, a esta essência
de ásperas vidas pisoteadas?

Não fizestes nada além da fuga:
vendestes amontoados detritos,
buscastes cabelos celestes,
pés covardes, unhas quebradas,
“beleza pura”, “sortilégio”,
obra de pobres assustados
para evadir os olhos, para
emaranhar as delicadas
pupilas, para subsistir
com o prato de restos sujos
que lhes lançaram os senhores,
sem ver a pedra em agonia,
sem defender, sem conquistar,
mais cegos que as coroas
do cemitério, quando cai
a chuva sobre as imóveis
flores podres das sepulturas.


NERUDA, Pablo. Canto Geral. Tradução Paulo Mendes Campos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p.256-257

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