I
A PRIMEIRA VEZ QUE
MORRI
Eu era criança.
Contava com seus cinco ou seis anos. O lugar em que morava, no Bairro Cadeia
Velha, tem o rio Acre como quintal. Fácil. Então era só descer o barranco e
timbum!, cair na água. Minha diversão preferida. Ainda não sabia nadar mas
tinha certeza que sim.
Foi quando, numa
bela tarde... timbum!, vi a minha prova dos nove não se confirmar. E uma
correnteza me arrastou para o meio do rio, quando passei a não ver nem sentir
mais chão de areia. Passei a descer sem querer e subir com todo o desejo que eu
possuía procurando algo para me apegar – e esse algo, que eu tanto queria, não
existia – só água que não me deixava fixar, aprumar, controlar. Ali conheci a
tal da lei da gravidade em carne e osso. Só faltava o tal do cabelo que as
águas não possuem. E elas insistiam em entrar por onde em mim naquela hora não
devia. Buracos e poros engarrafados. Até que acabaram-se as forças, todas que
eu tinha. Me entreguei. Precisava descansar. Não tinha outra saída senão
descansar. Sem escolhas. Até que morri. Sumi de mim. Acabou. Sem som, sem
imagem, sem sentidos. Silêncio. Escuro. Desnecessários esforços agora. O mundo
acabou.
Não lembro se
sonhei. Tudo havia acabado. Deixei de existir, pelo menos pra mim. Não sei por
quanto tempo. Mas, num repente que levou uma vida, abri os olhos, olhei ao
redor, vi que estava em casa, na minha cama, com o corpo todo dolorido pelos
esforços vãos. Já era noite. Não testemunhei que um adulto, até hoje não sei a
sua identidade, pulou e me retirou da água. Bem que antes lembro tê-lo visto,
lá longe, na praia, na minha última descida. Morri e fui salvo. Foi assim que,
dizem, nasci de novo. Até hoje conto essa história, a história do dia em que a
terra parou pra mim. Sou testemunha de que morrer não é um bicho de sete
cabeças, basta faltar cabelo em águas turbulentas.
II
SUB VIVENTE
pulei e não
encontrei chão nenhuma areia
como podia nessa
vontade de plainar no ar
afundei retornei
desci retornei afundei mais uma vez retornei
desesperei um
desespero – tão eternamente rápido imergi –
melhor: fui
imergido sem sentido e acordei partido em gotas
um anjo havia me
tirado – disseram
depois disso até
hoje busco juntar meus pedaços molhados
naquelas águas barrentas e turbulentas que não saem de minhas veias
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
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