quinta-feira, 28 de junho de 2018

ALUÁ DE PEGA-PINTO

Leila Jalul

Cemitério é coisa mórbida. Os mais modernos, nem tanto. O dos Israelitas, em São Paulo, mais parece um jardim. Na minha ideia, é como no céu. Tudo planinho, com pequenas placas, lugar para sentar, flores bem cuidadas, deve ser como no Éden. Agora, cemitério feio, com sepulturas abandonadas, covas rasas e recentes, afundadas, é um terror.

Mas a reverência aos entes que já partiram é dever cristão.

Hoje, por uma questão de escolha pessoal, reverencio meus mortos ouvindo música. Não acendo velas, nem deposito flores. Minha reza é só no pensamento. Minha homenagem faço com músicas: músicas alegres, de preferência.

Laura e Benedito Maia
Não vim aqui falar de mortos. Vim para dizer de Seu Benedito e Dona Laura. E de Milton Maia, um de seus muitos filhos. Os outros eram Esterzinha, Alan Kardeck, Dr. Mário Maia, Seu Tancredo, Edevar, Áurea e Zilma. De todos, creio que somente a Dona Áurea e Dona Zilma ainda respiram poluição. Os outros já se foram. Oito criaturas, oito mil diferenças. E muitos descendentes, com outras tantas mil diferenças.

De todos, o Milton era o mais expansivo. Uma semelhança incrível com o Salvador Dali, inclusive no jeito de ser. Meio escrachado, falante, creio que nunca coloriu uma tela, porém, pintava o sete e bordava o oito!

Chovesse, fizesse sol, todos os dias de finados, estava ele, desde muito cedo da manhã até o fim do dia, à beira do túmulo de Dona Laura e Seu Benedito, cantando velhas valsas, velhos boleros de Dom Pedrito de Las Américas e antigas baladas. Isso me espantava. Normalmente e de praxe, deveria existir um ar de tristeza, velas, flores e uns terços desfiados ligeirinho para acabar logo. Ele não. Não tinha pressa. As contas do terço eram sempre em lá maior e lá menor.

Outro dia, lembrei-me do Seu Milton e perguntei para minha mãe a razão daquela doideira.

– Minha filha, era o amor que ele tinha pelos pais. A Laura e o Benedito criaram esses filhos vendendo aluá de raiz de pega-pinto. Todos os dias, muito cedo, ele passava com as panelas de aluá para vender no mercado. Era muito gostoso. Com cravo, gengibre, gramixó e amor, ele vendia tudo. Com isso, alegria e paciência, criou os meninos e ainda fez médico o Mário, fez professora a Ester, e os outros, se não doutores, fez de bom caráter. Todos bons pais e mães. Você os conheceu bem.

– Entendi, mãe. Obrigada pela informação.

Agora sei de tudo, mas fiquei sem saber o que é a raiz de pega-pinto.

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