segunda-feira, 11 de junho de 2018

MERCADO VELHO, ONDE TUDO ACONTECIA

Pitter Lucena

Quem não lembra do Mercado Velho antes de ser transformado no Novo Mercado Velho? Nas décadas de 80 e 90 havia ali uma vida muito doida, de encontros e desencontros, território livre para todo tipo de gente. Na Praça da Bandeira, entrada para os vários becos do local, os vendedores infernizavam a vida dos transeuntes oferecendo todo tipo de mercadoria. Um ambiente ideal para curar qualquer tipo de depressão. Nos corredores as pessoas eram puxadas pelo braço para alguma compra. Mesmo se não comprasse nada, a conversa evoluía.

Poucos metros mais a frente já se sentia o cheiro saído das panelas das inúmeras pensões que serviam comidas e dos botecos sempre cheios de homens vazios. Era nesse mundo surreal que muitos se perdiam na vida pelo alcoolismo, problemas amorosos, desemprego ou pura vadiagem mesmo. Naquele antro boêmio, não havia discriminação, ideologia, pecados ou pecadores. Havia sim, de tudo um pouco, alegria, sofrimento, sonhos e decepções. Mesmo cada um no seu quadrado, tudo e todos se misturavam como numa pintura de Dali.

Sem preconceitos

Aos sábados o movimento aumentava quando profissionais liberais como jornalistas, ribeirinhos, pescadores, caçadores e tantos outros mentirosos, enchiam as pequenas pensões para comer um peixe frito, tomar uma cerveja e olhar as águas barrentas do rio Acre descerem lentamente em curso certo, num destino incerto rumo ao mar. Sem pressa para a vida, ficar ali parado no tempo era o tempo necessário para a chegada do fim do dia.

Assim vivíamos nas tardes de sábados. Nesse pequeno mundo não existia o senso do imediato, a ideia de dissolução, de irresponsabilidade, de vícios, da embriaguez consciente, do ócio, de uma ressaca mal curada. Não havia rótulos para indivíduos irresponsáveis ou pessoas sem regras ou disciplina. A boa conversa se misturava com passeios imaginários de homens, ratos, bêbados, mulheres de vida fácil, evangélicos e afins. Nada a declarar naquele pequeno espaço de tempo, apenas sentir o cheiro da fumaça do tabaco ao lado e a visão de sombras que passam para lugar nenhum.

Sexo animal

Num certo dia, ao observar o caminho do rio, um amigo começou a sorrir desesperadamente ao ouvir o som de um violão apaixonado de um boêmio que se sentara ao nosso lado. Achei legal, pois na minha concepção o sorriso é a curva mais bonita que alguém precisa ter. Pensei com meus botões de que ele estaria sorrindo de felicidade, por não ter tantos problemas corriqueiros. O mundo seria bem mais alegre se todos que o habitam fizessem a mesmo, desse mais lugar para felicidade do que para a tristeza.

Mas para o meu espanto, meu amigo com os olhos arregalados, apontava para uma pequena ilha de areia que se formara entre as duas pontes, dizendo haver dois seres mágicos reluzentes fazendo amor em plena luz do dia. Esmiucei o olhar e vi um casal de botos cor-de-rosa que praticava a dança do acasalamento, uma imagem rara em pleno setembro. Extasiado com tanta beleza, assisti de camarote, a natureza perpetuando a espécie. Depois, como um raio de luz, se foram. Ficaram apenas as lembranças que, como o vento, vão e vem lentamente com o mesmo frescor.

Bar da Loura

Além dos bares, botecos e pensões que haviam no Mercado Velho, tinha um em especial: o bar da Loura, um inferninho que funcionava à luz do dia, à beira do rio Acre, quase debaixo da ponte metálica. Era lá que funcionava uma série de tipos de lazer: cerveja, sinuca e mulher; parque de diversão para os ribeirinhos, colonos e pessoas do gênero. Como o bar tinha uma varanda para o rio, servia de mirante para inocentes e incautos quanto à serventia do estabelecimento.

No bar da Loura, principalmente nos fins de semana, a vida era agitada. Com a vinda de ribeirinhos para vender seus produtos na cidade, grande parte deles, ia comprar com o dinheiro arrecadado, outras coisas como o prazer, na casa do amor. Uma vista para o rio, duas sinucas e um quartinho ao lado do banheiro para a satisfação de alguém do sexo masculino, era tudo para quem estava numa seca braba.

As moçoilas se alegravam com a casa cheia e desfilavam entre os presentes de shortinhos apertados, oferecendo sorrisos e convites para uma gelada. Estava lançada a sorte para a rapaziada com a “coisa” na cabeça. Por 20 paus era possível ficar até uma hora no rala e rola no cubículo ao lado do banheiro. Um dia, durante uma friagem, um camarada com pena de uma das meninas, deixou pago a molhada do biscoito mas nunca voltou lá. O Jorge Viana reformou o espaço e tudo acabou.

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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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