Este marroeiro
(moço) vai contar o seu caso a outro marroeiro velho, centenário, celibatário e
tocador de viola, como ele. O “Velho Marroeiro”, novo poema em resposta a este,
encontra-se no livro “Mata Iluminada”. Esta a razão por que o autor substituiu
o vocativo – Sá dona – por – Marroeiro. É a primeira vez que este poema é publicado
na íntegra, sob as vistas do autor.
A
ALBERTO NUNES FILHO
MARRUÊRO, eu sou
marruêro!...
Nacendo, cumo
tinguí,
fui ruim, cumo
piranha,
mais pió que sucuri.
Pixúna daquelas
banda,
véve a gente a campiá!...
Deus fez o hôme,
marruêro,
prá vivê sempre a
lutá.
Meu pai foi bixo
timive
e eu fui timive tômbém!
O pinto já sáe do
ovo
cum a pinta que o
galo tem.
Se meu pai foi
marruêro,
havéra de eu tá na
toca,
a rapá no caitetú
a massa da
mandioca?!
Bebedô de madureba,
pissuindo carne e
caroço,
eu nunca vi cabra
macho
que me fizesse
sobrôçol
Nunca drumi uma
noite
imbaxo de tejupá!...
Nací prá vivê nas
gróta,
prá vivê nos
mócôsá.
prá drumi longe dos
rancho.
prú-ríba duns
gravatá...
vendo a lua pulas fôia
d’um férmoso
iriribá!
●
Nos gaios da
umarizêra,
o canta do
sanhassú;
na boca triste da
noite.
O gimido da
inhabú...
e as tuada da
cabôca,
lavando n’água do
rio,
e os canto, prú via
dela,
nos samba... nos
disafio...
nada disso, não,
marruêro,
me dava sastifação,
cumo o mugido
bravio
dos valente
barbatão!
Nada fazia, marruêro,
o coração me pulá,
cumo uvi pulas
varjóta,
os berro dos
marruá!
Na paz de Deus eu
vivia
nos brêdo dos
matagá,
tocando a minha
viola
só prá meu gado
iscutá.
Lá, prás banda onde
eu naci,
Já se falava do amô:
todas as boca dixia
que era farso e matadô!
Mas porém, fui
trazantonte.
no samba do Zé
Benito,
que eu panhei uma
chifrada
que me deu esse mardito!
Nas marvadage do
Amô
não hai cabra que
não caia,
quando o diabo tira
a roupa,
tira o chifre e
tira o rabo
prá se vistí c’uma
sáia!
Se adisfoiando no
samba,
cantando uma
alouvação,
eu vi a frô dos
cabórge
das morena do
sertão!
Trazia dento dos
óio
istrépe e mé, cumo
a abêia!
Oiôu-me cumo uma
onça!...
E, ao despois, cumo
uma ovêia!
Aqueles óio
xingôso,
eu confesso a
vasmincê,
ruia a gente prú
dento
que nem dois caxinguêlê!
Sem mardade, um bêjo
dado
naquela boca
orvaiada,
havéra de tê,
marruêro,
o chêro das
madrugada!
A fala dela, marruêro,
era o gemê do
regato,
que vai bêjando as
fôiáge,
que cái da boca dos
mato!
As duas rola
morena,
prú baxo do
cabeção,
trimia, cumo a água
fresca,
quando o vento bêja
as água
das lagoa do
sertão!...
Pruquê os dois
peito alembrava
dois maduro
cajá-manga,
e a boca, toda
vremeia,
parecia uma
pitanga.
Chêrava as mão da
cabôca,
cumo os verde
maturi!...
Era taliquá, marruêro,
dois ninho de
jurutí!
Os pezinho da
curumba,
quando dançava o
baião,
parecia dois
pombinho,
a mariscá pulo chão
Eu me alembro!... A
saia dela,
cô das pena da
irerê,
tinha a sôdade dos
mato,
quando vai anoitecê!!
Aqueles braço de
fogo,
(Deus não me
castigue, não!!)
quêmava, cumo as
fuguêra
das noite de São
João!...
Marruêro!... Os
cabelo dela
tinha o calô naturá
da pomba virge dos
mato,
quando cumeça a
aninhá!...
Apois, os cabelo
dela
tão preto prô chão
caia,
que toda a frô que
butava
nos cabelo, a frô
murchava,
pensando que
anoitecia!!
O suó que ela suava
no samba, chêrava
tanto,
que inté a gente
sintia
um chêro de ingreja
nova,
um chêro de dia
santo!
As anca, as cadêra
dela,
surrupiando no côco,
toda a se tamborilá,
a móde que parecia
o xaquaiá de uma
onda,
que vem jupiando,
redonda,
na praia se
derramá!
Japiaçóca dos
brejo,
no arrastado do
rojão,
cantava cum tanta
mágua,
cum tanto amô e
paxão,
que ispaiava, no
terrêro,
o ôrôma do
coração!!
O coração das viola
aparava, de
mansinho,
se os dois fióte de
rola,
quando ela táva
sambando,
pulava fora do
ninho!...
Entonce, aqueles
dois óio,
sereno, cumo o luá,
vinha prá riba da
gente,
taliquá dois
marruá.
Intrava dento da
gente,
cumo duas zelação!...
Mas porém, a gente
via,
no fundo daqueles
óio,
a hora da
Ave-Maria.
gemendo nas corda
fria
das viola do
sertão!!!
●
Prú móde daqueles
óio,
dois marvado
mucuim,
um violêro,
afulémado,
partiu prá riba de
mim!
Temperei minha
viola,
intrei logo a
puntiá,
e ambos os dois se
peguémo,
num disafio, ao
luá!
Premití a Santo
Antônio,
se eu vencesse o
cantandô,
de infeitá o seu
fiínho
cum um ramaiête de
frô!!
Só despois que nestas
corda
fiz pinto cessá
xerém,
vi que o bichão se
chamava:
— Manué Joaquim do
Muquêm!
Manué Joaquim era
um cabra
naturá de Piancó!...
Quando gimia no
pinho,
chorava, cumo um
jaó!
Eu, marruêro,
arrespundia
nestas corda de
quandú,
e os acalanto se
abria,
cumo as frô do
imbiruçú!
Foi despois do
disafio,
quando eu saí
vencedô,
que os canto e os
gemê dos pinho
n’um turumbamba
acabou!!
Imquanto nós dois
cantava,
sem ninguém tê dado
fé,
tinha fugido a
cabôca
cum o Pedro
Cahitoré!!!
Tinha fugido a
curumba
cum aquele bóde ronhêro,
um tocadô de pandêro
e runfadô de
zabumba!
Tinha fugido,
marruêro,
aquela frô dos meus
ai,
cumo uma istrela
que foge,
sem se sabê prá
onde vai!!!
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Na luz do Só, que
acordava,
lá, no coró do
Nacente,
a móde que Deus,
contente,
cum a natureza
sonhava!
O canto alegre dos
galo
nos capoerão
amiudava!...
Nos taquará das lagôa
as saracúra
cantava!
Alegre, passava um
bando
das verde maracanã!
Formosa, cumo a
cabôca,
vinha rompendo a minhã!
O vento manso da
serra
vinha acordando os
caminho!
Vinha.das mata chêrosa
um chêro de
passarinho!
Lá, no fundão d’uma
gróta,
adonde um córgo
gimia,
gargaiava as
siriêma
cum o fresco nacê
do dia!
Uma araponga, atrépada
N’um braço de mato,
im frô,
gritava, cumo si
fosse
os grito da minha
dô!!
E a sabiá, lá nos
gaio
da tabibúia,
serena,
trinava, cumo si
fosse
uma viola de pena!
Um passarinho
inxirido,
mardosamente
iscundido
nas fôia de um
tamburi,
sastifeito,
mangofando,
de mim se ria,
gritando
lá de longe: “bem
te vi”!
●
Chegando na
incruziada,
despois do dia
rompê,
sipurtei o meu
segredo
n’um véio tronco de
ipê!
Dênde essa hora,
inté hoje,
eu conto as hora, a
pená!...
Eu vórto a sê
marruêro!...
Vou vivê cum os
marruá!
Eu tinha o corpo
fechado
prá tudo o que é
marvadez!
Só de surúcucútinga
eu fui murdido três
vez!...
Tândo cum o corpo
fechado,
prás feitiçage do
Amô,
pensei que eu tava
curado!
Dos marruá mais
bravio,
que nos grotão
derribei,
munta chifrada
penosa,
munta marrada eu
levei!!
Prá riba de mim,
Deus póde
mandá o que êle quisé!
O mundo é grande,
marruêro!...
Grande é o amô!...
Grande é a fé!...
Grande ó o pudê de
Maria,
ispôsa de São José!...
O Diabo, o Anjo
mardito,
foi grande!... Cumo
inda é!!
Mas porém, nada é
mais grande,
mais grande que
Deus inté,
que uma chifrada,
marruêro,
dos óio d’uma
muié!!!
VOCABULÁRIO
Marruá — touro.
Marroeiro — pastor
do gado.
Tinguí — erva
venenosa.
Piranha — peixe
mordedor.
Sucuri — cobra.
Pixuna — rato
selvagem.
Manduréba —
cachaça.
Campiá — andar a
busca de gado, pelos campos.
Sobroço — medo.
Tejupá — cobertura
de palha.
Mócôsá — caverna.
Barbatão — touro.
Alouvação — canto,
louvando alguém.
Cabórge — feitiço.
Istrépe — espinho.
Caxinguelê — animal
roedor.
Irerê — ave palmípede.
Japiaçoca — ave
ribeirinha.
Rojão — toque de
viola.
Zelação — estrela
cadente.
Mucuim — parasita
que se introduz na pele.
Afulémado —
raivoso.
Puntiá — preludiar
na viola.
Pinto cessa xerém —
fazer bonito.
Jaó — ave de canto
melancólico.
Maracanã —
periquito.
Araponga — ave
também chamada Ferreiro, de grito agudíssimo.
Corpo fechado —
aquele que por meio de rezas e outras superstições, fica isento de mordeduras e
feitiços.
Surúcucútinga —
cobra venenosíssima.
Poema retirado da
revista A Noite ilustrada: edição
especial Homenagem a Catulo da Paixão Cearense (19-7-1946), pág.08.
Este poema do Catulo da Paixão Cearence foi gravado, pela primeira vez, por Lima Duarte no disco Som Brasil, editado pela Rede Globo, entre 1981 e 1982. Tem um encarte datado de "São Paulo, novembro de 1981". São dois discos de vinil (LP) fabricados pela Tapecar Gravações. Tarcisio Cardoso - Araxá Minas Gerais
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