domingo, 1 de julho de 2018

VIDA DE ARTISTA

Leila Jalul

Antes das 8 da manhã, sacolão em punho, suando em bicas, me chega o JB. Sua cabeça lisa e brilhosa mais parecia ter acabado de sair duma sauna.

Beijinhos formais, chamei-o para o café, não sem antes esperar que lavasse o rosto e enxugasse a luzidia careca.

Mal pulamos o tempo, ainda mastigando o último naco de pão, ele abre a sacola e de lá retira um turbante verde e já cosido no formato usual. Além do tecido ser ‘lurex’, não me peçam explicações, ainda havia muita purpurina colada sobre, o que deixava o turbante mais parecido com um capacete de gesso.

Após, com cuidado, retira uma cestinha lotada de diversas e coloridas frutas de plástico e cera.

Dali sairia uma Carmen Miranda, com certeza! – pensei.

O adereço, por baixo, pesava um quilo. E, pasmem, sobre a coroa do abacaxi, em destaque, um passarinho de palha parecia ter acabado de pousar para bicar as doçuras ‘frutosas’.

Por último, JB retira um bustiê de cetim rubro e uma saia longa e rodada, também em cetim rubro, com aplicações de flores artificiais de vários tipos, tamanhos e tonalidades. Um jardim, pois.

Bem, a curiosidade foi inevitável.

- De quem é isso, JB? Estás fazendo fantasias de carnaval?

Afinal, de JB, tinha poucas informações. Ele era apenas um amigo do rapaz que morava na minha casa, que trabalhava como ‘chapeiro’ na lanchonete de uma loja de conveniências e que havia nascido em Ilhéus. Sabia, também, que tinha um caderno de 300 páginas, com manuscritos sobre sua vida. Queria minha opinião para escrever sua história. Tinha muitas coisas escritas e pouco sistematizadas. E só!

Sentados na área, bastante alegre e rindo da minha pergunta, responde:

- Esta é a roupa que vou usar esta noite na Boate Xamêgo, onde me apresento como drag. Quero sua opinião e uma ajuda.

- Vamos lá, menino! Acho que a roupa está bem feita e bonita. O turbante, no entanto, creio que te machucará. Vais colocar o cesto de frutas nele? Não vai ficar pesado demais? Olha, acho que até pode cair durante o show, entendes?

- Isso, também, está me preocupando. Já experimentei várias vezes e ele desmonta. Se cai sem a cesta de frutas, imagine com o peso dela. O que faço?

- Será que um elástico preso no queixo não resolveria?

- Não, acho que perderia o movimento do pescoço durante a dança. Quer me enforcar, é?

De repente, num estalo, perguntou-me se tinha cola de madeira. Peguei um tubo grande, dos meus artesanatos e entreguei nas mãos dele.

- Bem, enquanto você faz o almoço, vou ao banheiro fazer um teste. Fique tranquila.

Fui para a cozinha, fiz tudo e nada do JB aparecer. Quando apareceu, estava em pânico. A cola, além de não ter resolvido o problema, causou-lhe uma reação alérgica na careca, no rosto, inclusive nos olhos e já estava descendo para o resto do corpo.

Mandei-o para o PS. Voltou depois de umas duas horas, já refeito, após uma injeção de alergênico que não soube dizer o nome.

-E o show, JB? Como será o show?

- Não se preocupe. Darei meu jeito. Com turbante ou sem turbante, Regginee Grace estará quebrando a castanha e rodopiando no palco. Voltarei para lhe contar e trazer fotos e vídeo, tá?

- Combinado, Regginee Grace!

Muitos dias depois, na lanchonete, JB mostrou-me um vídeo da apresentação na boate Xamêgo. A danada da Regginee Grace inventou uma coreografia com o turbante numa mão e a cesta de frutas na outra, quebrando a castanha no palco e fazendo a alegria da moçada.

Depois disso, nada mais soube de JB. Ou de Regginee Grace, como preferirem.

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