terça-feira, 27 de novembro de 2018

DOIS POEMAS DE HILDA HILST

XVI

Tenho preguiça
pelos filhos que vão nascer.

Teremos que explicar
tanta coisa a tantos deles.
Um dia hão de me perguntar
Tudo o que perguntei:
Mãe, porque não posso
ver Augusto quando quero?
Mãe, andei lendo muito esses dias
e estou quase chegando
a encontrar o que eu queria.

Inutilidade das palavras.

Tenho preguiça,
Tanta preguiça
Pelos filhos que vão nascer.
Dez, vinte, trinta anos
e estarão procurando alguma cousa.
Nunca se lembrarão
daqueles que já morreram
e procuraram tanto.
Vão custar (ó deuses)
a entender aqueles
que se mataram.
Os filhos vão nascer,
coitados!
Hão de pensar que são eles
os destinados.
Hão de pensar que você
nunca passou o que eles estão passando.
Os filhos que vão nascer...

Insatisfeitos.
Incompreendidos. p.33-34

(do livro Presságio, 1950)

I

Eu cantarei os humildes
os de língua travada
e olhos cegos
aqueles a quem o amor feriu
sem derrubar.

Cantarei o gesto
dos que pedem e não alcançam
a resignação dos santos
o sorriso velado e inútil
dos homens conformados.

Eu cantarei os humildes
o homem sem amigos
o amante sem esperança
de retorno.

Cantarei o grito
de escuta universal
e de mistério nunca desvendado.
Serei o caminho
a boca aberta
os braços em cruz
a forma.

Para mim virão os homens desconhecidos. p.42

(do livro Balada de Alzira, 1951)


HILST, Hilda. Da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

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