João Veras
Os documentários
sobre a Amazônia, comumente, quando não se dirigem pela versão do inferno, o
fazem pela do paraíso. Em ambas, reduzida: i – ao exotismo “encantador” (ou
bizarro) de seus povos, de suas faunas e suas floras; ii – ao espaço atrasado a
se conquistar para ser dominado e usufruído; iii – ao patrimônio natural e
humano – de valor monetário – a ser explorado… Reduções estas, entre outras,
projetadas para justificar a Amazônia como um território selvagem/primitivo a
merecer desenvolvimento, progresso e civilização. Estes constituintes de
projetos também imagéticos a serviço da ocupação das mentes pela fúria
colonizadora secular que o sistema mundo moderno colonial tem empreendido nas
américas desde sempre.
No
longa brasileiro, Amazônia – O Despertar da Florestania (de Christiane Torloni
e Miguel Przwodoswski, 2018), aquela dicotomia parece não se revelar e induz
visibilidade a uma outra versão mais contemporânea de documentário “amazônico”.
A obra é cinematograficamente sedutora. Plena de imagens, sons e
testemunhos-posições sobre a história recente da ocupação/destruição da
Amazônia dentro do contexto do debate ambiental nacional e mundial. Seu percurso narrativo tem como guia os
passos das atuações, nos campos da política e do ambientalismo, da atriz
Christiane Torloni, o que revela, por todas as escolhas do filme, um caráter
autoral à película.
A
versão que exsurge parece trazer uma natureza própria de narrativa, desta feita
com vistas à salvaguarda de uma Amazônia em seu valor ambiental e também
humano/demográfico, o que envolve os seus povos originários, quando busca se
justificar por uma das ideias de florestania (cidadania na floresta) como
novidade semântica significativa para esta nova perspectiva de narrativa. Mas
daí não passa. E daí supõe estar fazendo a diferença – para uma nova e profunda
compreensão da questão – quando (sinto que) não.
Tenho
a obra como uma crítica limitada/incompleta, carente de profundidade e redutora
no que diz respeito às causas/responsabilidades. Todos são unânimes, aliás o
filme é de uma só voz, quanto ao fato de que a Amazônia é um território em
permanente estado de destruição. No entanto, fica faltando saber (pela sua
versão) a quem tanto as vozes responsabilizam sem mostrar “os rostos dos seus
algozes”. O “eles” “destruidor” se assenta quase etéreo (refletido no inferno
das imagens sem rosto de uma parte da humanidade obscura) encoberto pelo
paraíso de desejos utópicos dos “nós” “destruídos”, todavia agarrados, irrefletidamente,
à epistemologias-dispositivos de poder e saber – como florestania e
sustentabilidade – que só nos orientam na direção da manutenção da condição
colonial profunda que, justamente pelas ideias, segue o seu curso
histórico-estrutural a nos angustiar/condicionar.
João Veras é autor de Seringalidade, O Estado da Colonialidade na
Amazônia e os Condenados da Floresta (Valer, 2017)
Texto publicado originalmente em: cinemadefronteira.com.br
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