sábado, 13 de abril de 2019

A ORIGEM DO CONHECIMENTO HUMANO

Urbano Zilles 

O homem é um ser que pensa e pergunta. É um eterno peregrino. Contesta o mundo existente em busca de um mundo melhor, pois a utopia é constitutiva do ser humano. Não só quer entender a natureza, mas transformá-la. Procura o caminho para isso. Esse caminho chamamos, desde os gregos, de método.
O mundo que nos cerca provoca diversas atitudes em nós e emoções, como admiração e dúvida. Abrange desde as gigantescas galáxias até os pequenos seres que povoam nosso planeta. Neste mundo, o homem pode sentir-se ameaçado pelo desconhecido. Por isso sente medo de doença, da fúria dos elementos. Por outro lado, já dizia o pensador espanhol José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias... O homem não se contenta com o simples viver, mas busca o bem viver”. Quer desfrutar a vida e seus prazeres.
Neste mundo o homem se inquieta com grandes perguntas: para onde vamos? De onde viemos? Quem somos não sabemos exatamente onde e quando, em nosso planeta, surgiu o primeiro homo sapiens, nossa espécie. Cercado por animais mais fortes, pela fome e pela doença, não tendo as armas e a força do leão, o homem nasceu com uma capacidade mais poderosa, a da inteligência e do espírito.
Conhecer coisas é a capacidade que distingue os humanos de outros animais. Isso faz do homem o mais bem sucedido, pois alguns animais andam mais rapidamente que o homem, mas este construiu automóveis que lhe permitem andar com velocidade maior que a dos animais. Alguns animais enxergam melhor que o homem, mas este construiu telescópios e microscópios que superam a visão de qualquer outro animal. Ao contrário do homem, o pássaro voa. Mas o homem construiu aviões que voam com maior velocidade e mais longe que qualquer outro pássaro. A diferença em tudo é o saber que possibilita ao homem construir automóveis, telescópios, microscópios e aviões. Nesse sentido, saber é poder. O saber faz do homem o animal mais poderoso de todas as criaturas.
Por um lado, o homem observa e interpreta a natureza, por meio do sobrenatural. Dessa maneira, entre os humanos, surgem os sacerdotes, que tudo relacionam com os deuses. Fenômenos da natureza, como raio e trovão, são interpretados como manifestações de deuses. O homem nasce para dentro de um sistema de crenças. Habitua-se a elas. Conta com as coisas e vive a interpretação que herda dos pais, mestres e antepassados. Mas também há momentos em que as crenças se tornam problemáticas. Interpretações de tipo religioso entram em conflito. Surgem incertezas. E, por outro lado, entre o povo também apareceram, paralelamente aos sacerdotes, os que são chamados artesãos. Esses, através da experiência, percebem que existem algumas pedras mais duras que outras. Passam a usá-las como instrumentos, criando objetos e ferramentas. O homem mantém as tentativas sucedidas, multiplicando-as, deixando de lado as erras ou falsas. O conhecimento adquirido é transmitido de uns a outros, socializando-se e acumulando-se.
Sendo o homem um ser pensante, desenvolve ideias e as testa na prática da vida. Busca coisas úteis, que tornem a vida melhor e mais confortável. Inventa armas para a caça e a pesca; faz cestas, para carregar coisas consigo; o arado, para cultivar a terra e semear; a cerâmica e os tijolos, para construir casas, aldeias e cidades. Enquanto não encontra explicação para o mundo, preocupa-se com o desenvolvimento de técnicas que funcionem. Para poupar suas próprias energias, locomove-se a cavalo ou de camelo. Assim, na Mesopotâmia, já foram construídas cidades, que à noite eram iluminadas com lâmpadas a óleo.
A invenção da técnica, para cultivar a terra, permite ao homem abandonar o nomadismo e fixar-se à terra. Assim surgiram povoados e aldeias, e a convivência humana trouxe novos problemas a resolver, como a divisão de terras, a troca de produtos agrícolas ou animais. O homem foi desafiado a criar uma linguagem própria para o cálculo. A medição e divisão de terras e o comércio produziram a matemática.
Se, por exemplo, no Ocidente medieval, predominava a ortodoxia religiosa, no final do século XX é a ciência e a técnica, ou a tecnociência. A linguagem universal passa a ser matemática. No topo da hierarquia estão os cientistas. Esses assessoram políticos. Se as cruzadas medievais foram substituídas pela conquista do espaço, os sacrificados são vítimas da ciência: a morte em acidentes automobilísticos, os desempregados marginalizados pela máquina. Mas a ciência também ajuda o homem a ganhar mais conhecimentos e maior compreensão do mundo.
Desse modo, o conhecimento nasce na experiência cotidianas do homem, no mundo que o cerca. Esse conhecimento é fortalecido na diversidade das circunstâncias, através do tempo. Primeiro é transmitido oralmente e depois escrito. A transformação da natureza pela inteligência e pelas mãos do homem é chamada, de modo genérico, de cultura. O conhecimento tem, pois, sua origem na capacidade reflexiva do próprio homem, a qual lhe garante um lugar único entre os seres que habitam nosso planeta. O prestígio da ciência hoje é incontestável. Entretanto, pode ser que no futuro o homem conclua que o mundo só se interpreta pelo amor, que a religião e a filosofia são pelos menos tão importantes como a ciência.

ZILLES, Urbano. Teoria do Conhecimento e teoria da ciência. São Paulo: Paulus, 2005. p.15-17

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