domingo, 10 de novembro de 2019

O J. G. ARAÚJO

ROGEL SAMUEL

J. G. Araújo
                Ele se chamava Joaquim Gonçalves.
             Dizem que, quando nasceu, sua família portuguesa de tão pobre o doou para outra família inglesa. Isto era o dia 14 de fevereiro de 1860, em Povoa do Varzim. Os pais lavradores. Como chegou em 1871, aos 11 de idade, no Amazonas? Seu biógrafo, Agnello Bittencourt, diz que veio agregado ao barco de Nuno Pau Brasil, que viajava entre Manaus e Lisboa. Pau Brasil era o nome de uma antiga família amazonense. Em Manaus conseguiu-lhe colocação na “Casa Silva”. Em 1875, o comandante Nuno emprestou-lhe dinheiro com que pôde abrir seu primeiro comércio. Mas o próprio J. G. disse que começara a vida cortando piaçaba.
              O homem construiu um império.
             Quando faleceu, em 21 de março de 1940, deixou um patrimônio incalculável em navios, casas comerciais, empresas.
             Quase todo o centro comercial de Manaus da época lhe pertencia. A primeira casa de pedra e tijolos em Manaus foi construída por ele, onde instalou a “Padaria Progresso”. Sua famosa firma “J.G. Araújo & Cia” fez de tudo. Inclusive financio um filme famoso, “No país das amazonas”, de Silvino Santos, um belo filme (Silvino era um gênio) hoje raro e desconhecido.
             O filme “O cineasta da selva”, de Aurélio Michiles, de 1997, conta essa estória, a de Silvino Santos e do Desembargador.
             Silvino Santos (1886, Portugal-1969, Brasil) começou sua carreira de cinematógrafo na cidade de Manaus quando esta vivia seu apogeu graças ao ciclo da borracha, tornando-se um dos pioneiros do cinema no Brasil. Adotou o Brasil como pátria aos 13 anos de idade, documentou a história de uma Amazônia com uma produção extensa e diversificada. Ao longo dos seus 84 anos realizou nove longas e 57 curtas e médias metragens no Brasil em Portugal, muitas vezes se embrenhando na floresta amazônica com uma câmera de manivela na mão e fazendo as pontas de teste do material filmado nos ocos das gigantes árvores da selva”, diz o autor do filme.
             “No paiz das Amazonas”, de Silvino Santos e Agesilau de Araújo (filho do comendador), foi realizado em 1922.
              Diz-se, dele: “Percurso por alguns rios da bacia amazônica, o filme retrata diversas formas de sobrevivência e trabalho na região: a pesca do peixe-boi e do pirarucu, a extração da balata e do preparo do látex, a extração da castanha e o preparo do guaraná”. “No Paiz das Amazonas” é considerado o filme mais famoso de Silvino Santos que realizou enquanto funcionário da Cia J. G. Araújo. Foi sucesso de público e crítica permanecendo em cartaz cinco meses no Cine Palais no Rio de Janeiro, além de ser exibido em salas de cinema na França, Inglaterra e Lisboa. Junto de Nanook, de Flaherty (1922), La Crosière Noire (1926) de Léon Poirier, Tabu (1930) de Murnau, o filme No Paiz das Amazonas e No rastro do Eldorado (1925) de Silvino formam um conjunto de filmes de viagem que forneceram aos moradores das metrópoles a oportunidade de se aventurar e descobrir as regiões “mais selvagens do mundo”.
             O Comendador aparece no romance “A selva” de Ferreira de Castro.
             Do seu casamento nasceram vários filhos, um também comendador e Presidente da Província.
             Quando o apogeu da economia da borracha acabou, somente o pai seguiu próspero, pois suas atividades abrangiam um pouco de tudo, criava gado, tinha farmácia, padaria, barcos etc. Além disso ele construiu asilos, um forno para queimar o lixo que era único no Brasil.
             Um dia um adversário comercial tentou matá-lo com tiro, à queima roupa, no coração. Ele foi salvo pelo cabo do guarda-chuva, onde havia uma placa de ouro. Pois bem, depois disso, perdoou o inimigo e mandou soltá-lo, dizendo que o criminoso tinha “numerosa família” para sustentar.
             Aos domingos, o Comendador visitava a Santa Casa e a Beneficente Portuguesa para ver se alguém estava necessitando de alguma coisa. Ele levava envelope de dinheiro, para ofertar. Fazia ofertas generosas. Em dinheiro. E construiu o “Asilo de Mendicidade” do próprio bolso para ali abrigar os numerosos mendigos de Manaus depois da crise da borracha. E fazia doações em segredo, não queria que ninguém soubesse.
             Estranho é o fato de que todo o império dos Araújos desapareceu por completo.
             Um dia, visitei a sua casa, hoje transformada em repartição do governo, ou algo assim. Assaltou-me uma reflexão sobre a impermanência de todas as coisas. Como era a vida daquele homem, tão rico e tão bom? Diante da janela de sua mansão se via o Teatro Amazonas. O símbolo daquela época de riqueza.

Um comentário:

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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